A estrada apresentava-se clara, apenas corujas e sapos eram ouvidos numa lagoa próxima. Mas certa voz assombrosa interrompeu-me o caminho na noite de quase lua cheia.
- Senhor, senhor, me dê um instante.
Assustei-me sem saber se era sonho, assombração ou outra realidade. Após o coração disparar-me e voltar a um ritmo mais normal, avistei a figura de um velho, rugas profundas, cabelos e barba esbranquiçados, pálpebras baixas que escondiam quase completamente os olhos marejados.
- Senhor, tenho um amuleto e uma mandala de antigas eras que não conseguem mais me proteger. Daqui parto para nunca mais...
Fitei-o sem entender a sua fala. Ele suava abundantemente e com uma voz quase sufocada pela secreção de uma tosse que poderia ser confundida com tuberculose, falou-me:
- Uma feiticeira jogou-me um sortilégio. Encontrava-me na minha ampla casa, quando recebi a visita de quatro mulheres. Uma, as unhas grandes; outra, vestido negro; a terceira, coifa cinzenta; a última, luvas de urtiga. Uma delas, uma freira; a outra, uma dama; a terceira, feiticeira; a última, prostituta. Mas não era possível saber quem era quem. Consegui acomodar cada mulher em um quarto, cada quarto num canto da casa. Tudo aparentemente tranquilo. Mas eu tinha a necessidade, quase a obrigação, de ir para o prédio onde ocorreria um congresso. Caminhei e cheguei ao sopé de um monte separado em vários níveis. De repente, já encontrava-me no quarto nível. Havia a possibilidade de descer e procurar um hotel até melhor, mas percebi que em frente ao local onde me encontrava, existia um belo e aconchegante, tudo sem exagero. Eu chegava no balcão do hotel. Eu iria passar três dias, mas o atendente, que a princípio não conseguia nem me ouvir pois havia um vidro separando os clientes do espaço dele, pensava que seria só um dia. Eu, então, disse que estava bom um dia (e pensava em procurar outro hotel para os outros dois dias) e disse que iria pagar. O atendente me dava uma nota de cento e sessenta e dois reais; quando eu lhe dava o meu cartão ele dizia que com ele eu teria que pagar cento e setenta reais. Eu protestava pois achava injusto perder oito reais, mas não tinha jeito. Ele me dava uma chave eletrônica para o quarto 45. Enquanto saía do saguão para procurar o quarto, percebia que uns colegas do congresso estavam chegando nesse hotel, mas depois não mais os via. Andava pelo corredor e, para minha grande surpresa, não via os quartos. Mas quando eu olhava com mais cuidado percebia que os quartos estavam enterrados no chão. Eu procurava o quarto que me fora destinado, os números dos quartos não tinham uma ordem. Andava por alguns metros e então percebia dois homens que se aproximavam, eram dois professores, um com roupas brancas e outro com roupas escuras. Eu tentava trocar algumas palavras mas eles passavam como se não me percebesse ali. Eu retornava e continuava a procurar o número do meu quarto. Percebia, a seguir, que aqueles quartos no chão eram túmulos. Finalmente eu achava o meu 'quarto'. Eu colocava a chave e quando abria a tampa estava me esperando um grande caixão de defunto com folhas ornamentando o seu interior. Eu ficava absolutamente assustado, mas me deitava no caixão e ele, através de um sistema hidráulico, descia por uns dois ou três metros. Lá embaixo, de fato, era um quarto parecido com o de um hotel. Alguém falava que era a última moda em Londres esses hotéis imitando túmulos. Mas eu me encontrava muitíssimo preocupado e ligava, quase chorando, para o meu pai. Ele estava com a voz bem diferente, como se fosse outra pessoa e falava realmente de outras pessoas que eu não conhecia. Tentava ligar para a minha mãe, mas não conseguia acertar o número. Olhava o quarto e notava que havia uma ante sala, dois banheiros, um para banho e outro para o vaso sanitário. Havia muitas portas no quarto que davam para outros quartos. De uma janela percebia-se que em frente havia um jardim. A porta lateral era de vidro e eu percebia uma arrumadeira, com calça jeans, que subia uma escada com uma vassoura na mão. Eu tentava fechar essa porta e só com grande dificuldade conseguia. Quando eu voltava via que havia um garoto pegando uma espécie de sabonete do meu banheiro a pedido do seu pai. Eu dizia que aquele quarto era privado e que ele não poderia pegar nada dele. De qualquer forma eu dava um pedaço de sabonete cinza e pedia para ele não voltar mais a invadir o meu quarto.
Ao escutar o relato, fiquei arrepiado de medo. Depois as horas passaram num ritmo que não é possível descrever por meio da linguagem comum.