sexta-feira, 8 de novembro de 2024

Casa dos mortos e notas de inverno

Alieksandr Pietróvitch Goriântchicov foi um ex-condenado que viveu por dez anos em uma prisão na Sibéria. Depois, foi morar numa povoação siberiana e após alguns anos, morreu e deixou um relato extraordinário de sua vida no presídio, as ''Cenas da Casa dos Mortos''. Recuperado pelo narrador, parte dos dez anos é relatada no romance ''Memória da Casa dos Mortos''. Um destaque especial é a descrição de vários caráteres dos presidiários, como o parricida, que era um indivíduo estouvado, desorientado, muito insensato, embora esperto. Nunca lhe notei o menor indício de crueldade especial. Ou então o major que cuidava do presídio: Era por natureza um  homem severo e mau, e nada mais. (...) Possuía sem dúvida alguma aptidões; mas tudo, inclusivamente o que era bom, apresentava nele um aspecto incompleto. Ou o velho de sessenta anos, baixinho e de cabelos brancos (...) talvez não tenha encontrado na vida uma criatura tão boa e tão simpatica. Ou Sirótkin, que sob vários aspectos, era uma criatura muito enigmática (...) Era muito preguiçoso e andava mal vestido. Ou Gázin, que era um indivíduo terrível. Provocava em todos uma estranha impressão de horror. A mim parecia-me que não podia existir criatura mais feroz e abominável. Ou então os que praticam um crime apenas com o fim de irem dar à prisão e livrarem-se, deste modo, da vida, incomparavelmente mais forçada em liberdade do que no presídio. Na vida livre vive no último grau de humilhação, nunca come o suficiente e trabalha para o amo desde manhã até à noite. Ou Orlov, que segundo o narrador, nunca na minha vida encontrei um caráter humano mais forte, mais férreo do que o seu. Ou Suchílov cuja característica consistia em... anular a sua personalidade, sempre e em todos os lados e (...) representar nos assuntos comuns um papel não de segunda mas de terceira ordem. Um destaque especial: Lembro-me dessa criatura repugnante, como de um fenômeno. Vivi alguns anos com assassinos, com malfeitores repelentes; mas digo convictamente que nunca, até hoje, encontrei na vida uma degradação moral tão completa, uma depravação tão consumada e com tão insolentes baixezas como as que reunia A...v. Sobre os castigos a que alguns presos eram condenados: Muitos supliciados vinham muitíssimo ferido e no entanto raramente algum deles se queixava. Somente o seu rosto parecia transfigurar-se, empalidecer; os seus olhos brilhavam: tinham o olhar fixo, inquieto; os lábios tremiam-lhes, os dentes batiam-lhes como se quisessem morder e não raro que se mordessem até fazer sangue. Durante a madrugada... então põe-se a sonhar, a recordar o passado, e surgem quadros amplos e brilhantes, evocados pela fantasia; e recordam-se pormenores que, noutro tempo, não teríamos recordado nem nos teriam causado tanta impressão como agora. O presídio segundo o antigo morador da casa dos mortos é, em resumo, um local onde homens perderam as suas liberdades, boa parte de suas juventudes, desperdiçaram seus talentos, e suas almas são cotidianamente destruídas, amassadas pela força das chicotadas e das humilhações e esmagadas pelo peso das horas que se somam formando os dias e anos intermináveis.

''Uma história aborrecida'' é um pequeno texto que trata de episódio na vida de Ivan Ilhitch Pralínski, conselheiro efetivo do Estado, que diz que irá provar a seus colegas de Conselho, S.N. Nikíforov e S.I. Chipulenko, ser capaz de um ato de benevolência inaudita. Com a ideia de despertar sentimentos nobres em outras pessoas, que ele considerava inferiores, adentra à festa de casamento de um humilde funcionário de repartição - Sr. Pseldónimov. A intenção de Prolínski é mostrar uma extrema benevolência, mas deixando absolutamente claro a abissal diferença entre ele e o convidados da festa. Entretanto, em virtude de Prolínski ir se embebedando, à princípio com champagne, mas também com vódca, passa então de importante visitante a um ridículo comensal na festa de Pseldóminov. Termina, portanto, dormindo na casa dos noivos, de tão alcolizado que se encontrava. Por conta da ressaca moral, passa uma semana em casa, antes de ter condição de retornar às suas atividades no escritório.

Dostoiévski fez uma viagem à Europa ocidental, Alemanha, França, Inglaterra, Suiça e Itália, e alguns meses depois, já no inverno, fez um relato aos seus amigos. Esse relato é a obra ''Notas de inverno sobre impressões de verão''. O relato das pessoas e o modo como ele as vê é bem interessante, em particular os parisienses. Em relação à Berlim, ele assevera: Berlim provocou-me a mais desagradável das impressões, de maneira que não fiquei nessa cidade senão um dia. Em Colônia, teve a impressão de ser humilhado ao sentir que um cobrador lhe falava com os olhos: Já vês como é a nossa ponte, miserável russo... Não tens outro remédio senão reconhecer que és um verme, comparado com a nossa ponte e com qualquer alemão, pois na tua terra não há uma ponte como essa. Dostoiévski faz, então, uma comparação dos russos humildes com alguns europeus ocidentais; fala também de coisas que tem vergonha de dizer, mas mesmo assim, atreve-se a falar de algumas delas, como por exemplo, de uma bela fatal frequentadora de salas de festa e quartos de pouc permanência. Ela estava também muito triste. Tinha uma feições delicadas, finas: qualquer coisa de secreto e triste transparecia nos seus olhos, um tanto altivos, algo de reflexivo e triste. Dostoiévski fala extensamente do burguês da França e do que ele pode apreender de sua hipocrisia; uma parte em destaque: o burguês está disposto a perdoar muitas coisas, mas não perdoa o roubo, ainda que um homem ou os seus filhos estejam morrendo de fome. Mas se esse homem roubar por virtude, então tudo se lhe perdoa; naturalmente quer faire fortune e amealhar; pois muito bem, cumpre um dever da Natureza e da sociedade. E é por isso que, no Código, estão muito bem especificadas as diferenças entre o roubo com mau fim, isto é, por um pedaço de pão, e o roubo por uma virtude elevada. Este último está garantido em alto grau, estimulado e organizado com desusada precisão. Ele continua a análise através de uma visão bastante aguçada sobre o grupo que tem uma visão claramente curta: E que indiferença por tudo, que leviandade, que interesses tão insignificantes! O autor continua a descrição dos burgueses, caminhando para a descrição dos belos casais de de seus amante. Finalizando, ele apresenta o orgulho do burguês pela conquista da fitinha da Legião de Honra: A propósito, essa fitinha é feroz. O ono está tão orgulhoso dela que é quase impossível falar-lhe, ir com ele de comboio, estar a seu lado no teatro ou encontrá-lo no restaurante. Pouco lhe falta para que cuspa nos outros, trata a todos com maneiras de valentão descarado, resfolga, arqueja, por pura ostentação, e tanto que acabamos por sentir náuseas... Grande retrato dos européus ocidentais do meio do século XIX.


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