O dia 17 de abril de 2016 ficará marcado para
sempre pela ultrajante atitude perpetrada pela Câmara dos Deputados ao aprovar
a admissibilidade de crime de responsabilidade da Presidenta Dilma Rousseff e
encaminhar a análise de impedimento ao Senado Federal. A referida sessão da
Câmara pode ser vista como uma peça mal escrita, encenada por atores medíocres
que fremiam e tremiam no palco (Macbeth com o seu dedo em riste) enquanto
vomitavam no público indisfarçáveis hipocrisias.
Deputados reconhecidamente envolvidos em crimes
de lavagem de dinheiro e desvio de verbas públicas votando contra a corrupção. Desprezíveis acompanhantes de prostitutas oferecendo votos para as esposas e os
filhos. Contumazes achacadores e ladrões votando em nome de Deus e da ética.
Como disse a deputada do PCdoB-AP, Professora Marcivânia, nunca se viu tanta
hipocrisisa por metro quadrado quanto naquela sessão circense.
Muito foi escrito sobre aquela tarde triste.
Escolhi para deixar registrado nesse blog, que apresenta textos de literatura e
história, um escrito de Pepe Escobar, escrito originalmente para o Resistir.Info. O título é “Guerra híbrida
das hienas dilacera o Brasil” e, com exceção do que o autor escreve sobre a
Dilma gestora – que não concordo absolutamente – acredito que é um texto que
mostra bem os interesses escondidos na farsa do impedimento. Isso é o que
conseguimos enxergar hoje, apenas seis dias após o golpe ter sido dado.
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Guerra híbrida das hienas dilacera o Brasil
Pepe Escobar
Pepe Escobar
“A sombria e repulsiva noite em que a presidente da 7ª maior economia do
mundo foi a vítima escolhida para um linchamento de hienas num insípido e
provinciano Circo Máximo viverá para sempre na infâmia.Por 367 votos a
137, o impeachment/golpe/mudança de regime contra Dilma Rousseff foi aprovado
pelo circo parlamentar brasileiro e agora irá ao Senado, onde uma “comissão
especial” será instituída. Se este for
aprovado, Rousseff será então marginalizada durante 180 dias e um ordinário
Brutus tropical, o vice-presidente Michel Temer, ascenderá ao poder até o
veredito final do Senado.
Esta farsa
desprezível deveria servir como um alerta não só aos BRICS, mas a todo o Sul
Global.Quem é que precisa
de NATO, R2P (“responsability to protect”) ou “rebeldes moderados” quando pode
obter a sua mudança de regime apenas com o ajustamento do sistema
político/judicial de um país?
O Supremo Tribunal
brasileiro não analisou o mérito da questão – pelo menos ainda não.Não há qualquer
evidência sólida de que Rousseff tenha cometido um “crime de responsabilidade”. Ela fez o que todo presidente
norte-americano desde Reagan tem feito – para não mencionar líderes de todo o
mundo: juntamente com o vice-presidente, o desprezível Brutus, Rousseff foi
ligeiramente criativa com os números do orçamento federal.
O golpe foi
patrocinado por um vigarista certificado, o presidente da câmara baixa Eduardo
Cunha, confirmadamente possuidor de várias contas ilegais na Suíça, listado nos Panama Papers e sob investigação do Supremo
Tribunal. Ao invés de reger
hienas quase analfabetas num circo racista, em grande medida cripto-fascista,
ele deveria estar atrás das grades. Custa crer que o Supremo Tribunal não tenha
lançado ação legal contra Cunha.
O segredo do seu
poder sobre o circo é um gigantesco esquema de corrupção que perdura há muitos
anos, caracterizado pelas contribuições corporativas para o financiamento das
suas campanhas e de outros. E aqui está a
beleza de uma mudança de regime light, uma
revolução colorida da Guerra Híbrida, quando encenada numa nação tão
dinamicamente criativa como o Brasil. A galeria de
espelhos produz um simulacro político que teria levado descontrucionistas como
Jean Braudrillard e Umberto Eco, se vivos fossem, a ficarem verdes de inveja.
Um Congresso
atulhado com palhaços/tolos/traidores/vigaristas, alguns dos quais investigados
por corrupção, conspirou para depor uma presidente que não está sob qualquer
investigação formal de corrupção – e que não cometeu qualquer “crime de
responsabilidade”.
A
restauração neoliberal
Ainda assim, sem um
voto popular, os maciçamente rejeitados gêmeos Brutus tropicais, Temer e Cunha,
descobrirão que é impossível governar, muito embora eles encarnassem
perfeitamente o projeto das imensamente arrogantes e ignorantes elites
brasileiras.
Um triunfo
neoliberal, com a “democracia” brasileira espezinhada abaixo do chão. É impossível
entender o que aconteceu no Circo Máximo neste domingo sem saber que há um
rebanho de partidos políticos brasileiros que está gravemente ameaçado pelos
vazamentos ininterruptos da Lava Jato.
Para assegurar a sobrevivência
deles, a Lava Jato deve ser “suspensa”; e isto será feito sob a falsa “unidade
nacional” proposta pelo desprezível Brutus Temer. Mas antes a Lava
Jato deve produzir um escalpe ostensivo. E este tem de ser Lula na prisão –
comparado ao qual a crucificação de Rousseff é uma fábula de Esopo. Os media
corporativos, conduzidos pelo venenoso império Globo, saudariam isto como a
vitória final — e ninguém se preocuparia com a aposentadoria da Lava Jato.
Os mais de 54
milhões que em 2014 votaram pela reeleição de Roussef votaram errado. O “projeto” global
é um governo sem voto e sem povo; um sistema parlamentar de estilo brasileiro,
sem aborrecimentos com “eleições” incômodas e, crucialmente, campanhas de
financiamento muito “generosas” e flexibilidade que não obrigue a incriminar
companhias/corporações poderosas.
Em resumo, o
objetivo final é “alinhar” perfeitamente os interesses do Executivo,
Legislativo, Judiciário e media corporativos. A democracia é para otários. As elites
brasileiras que fazem o controle remoto das hienas sabem muito bem que se Lula
concorrer outra vez em 2018, vencerá. E Lula já advertiu;
ele não endossará qualquer “unidade nacional” sem sentido; estará de volta às
ruas para combater qualquer governo ilegítimo que surja.
Agora
estamos abertos à pilhagem
No pé em que está,
Rousseff corre o risco de se tornar a primeira grande baixa da investigação
Lava Jato, com origem na NSA [National Security Agency, dos Estados Unidos],
que perdura há dois anos. A presidente,
reconhecidamente uma gestora econômica incompetente e sem as qualificações de
um político mestre, acreditou que a Lava Jato – que praticamente a impediu de
governar – não a atingiria porque ela é pessoalmente honesta. Mas a agenda não
tão oculta da Lava Jato foi sempre a mudança de regime.
Quem se importa se
no processo o país for deixado à beira de ser controlado exatamente por muitos
daqueles acusados de corrupção? O desprezível
Brutus Temer – uma versão fútil de Macri da Argentina – é o condutor perfeito
para a implementação da mudança de regime. Ele representa o
poderoso lobby bancário, o poderoso lobby do agronegócio e a poderosa federação
de indústrias do líder econômico do Brasil, o Estado de São Paulo.
O projeto
neo-desenvolvimentista para a América Latina – pelo menos unindo algumas das
elites locais, investindo no desenvolvimento de mercados internos, em
associação com as classes trabalhadoras – agora está morto, porque o que pode
ser definido como capitalismo sub-hegemônico, ou periférico, está atolado na crise
após a derrocada de 2008 provocada por Wall Street.
O que resta é
apenas restauração neoliberal, a TINA (“there is no alternative”). Isto
implica, no caso brasileiro, a reversão selvagem do legado de Lula: políticas
sociais, políticas tecnológicas, o impulso para expandir globalmente grandes
companhias brasileiras competitivas, mais universidades públicas, melhores
salários.
Numa mensagem à
Nação, Brutus Temer admitiu isto; a “esperança” de que o pós-impeachment será
absolutamente excelente para o “investimento estrangeiro”, pois lhe permitirá
pilhar a colonia à vontade; um retorno à tradição histórica do Brasil desde
1500. De modo que Wall
Street, o Big Oil dos
EUA e os proverbiais “American interests” vencem
este round no circo – graças às, mais uma vez proverbiais, elites
vassalas/compradoras.
Executivos da
Chevron já estão a salivar com a perspectiva de porem as mãos nas reservas de
petróleo do pré sal; que já foram prometidas por um vassalo confiável,
integrante da oposição brasileira. O golpe continua.
As hienas reais ainda não atacaram. De modo que isto está longe de ter
terminado.”