domingo, 4 de julho de 2021

O sacrifício

O Sacrifício (Suécia, 1986) é o último filme dirigido pelo diretor russo Andrei Tarkovski, que teve a fotografia de Sven Nykvist e a atuação de Erland Josephson, Susan Fleetwood, Valérie Mairesse, Allan Edwall, Gúdrun Gisladóttir, Sven Wolker, Filippa Franzén e Tommy Kjellqvist. O filme começa com a obra inacabada de Leonardo da Vinci, "A adoração dos reis magos", e parte da "Paixão segundo Mateus" de Johann Sebastian Bach, claríssimas referências religiosas que vão ser contrapostas logo na sequência com a fala ateísta do personagem Alexander, um antigo escritor, famoso jornalista, ator e crítico teatral. Ele mora numa ilha com sua mulher Adelaide, a filha Julia e um pequeno garoto que é mudo. Alexander está plantando uma árvore seca com a ajuda do seu filho e conta ao pequeno a história de um monge que assegurou ao discípulo que se ele regasse uma árvore seca, ela poderia renascer; após três anos regando diariamente a árvore ressequida, numa certa manhã o monge enxerga flores que nascem dos seus galhos. 

Alexander chegou à ilha há algum tempo, e fala ao filho pequeno enquanto o vento balança o capim no campo aberto: "Fiquei triste porque esse lugar não era nosso (...) Então, pensei que se morasse aqui poderia ser feliz até a morte. Não tenho medo, a morte não existe. Não, existe o medo da morte e é um medo horrível. Faz as pessoas fazerem o que não devem". 


Hoje é o aniversário de Alexander e à noite haverá um jantar para a família, o carteiro Otto e um médico amigo, Viktor. Otto presenteia o aniversariante com um belo quadro com o mapa da Europa do século XVII e ao ouvir dele que não precisava ter feito esse sacrifício, Otto assevera que qualquer presente representa um sacrifício. Otto enxerga uma reprodução da obra "A adoração dos reis magos" e se afasta revelando ao anfitrião que ele sempre tivera medo de Leonardo.

Otto e Adelaide possuem duas ajudantes em sua casa, Marta e Maria. Maria cuida do jantar e das atividades relacionadas à cozinha, enquanto que Marta trabalha mais com os cuidados ao pequeno garoto filho do casal. Os nomes das empregadas não deve ser uma mera coincidência, mas uma referência à Marta e Maria que aparecem no evangelho que conta a vida de Jesus. Após Maria preparar tudo para o jantar, pede licença e vai para sua casa que fica do outro lado do lago. Enquanto todos aguardam o jantar, aparece na televisão a notícia do começo de uma guerra nuclear e o consequente fim da humanidade. Adelaide tem uma crise de nervos e tem que ser acalmada com um medicamento do doutor Viktor. Alexander e Otto bebem um conhaque enquanto tentam entender a situação extraordinária. Alexander, que era ateu, sobe ao primeiro andar e pede a Deus que o terrível fim não se abata sobre todos e, em troca, promete abandonar tudo o que ele ama. Otto, que também estuda e coleciona fatos estranhos e inexplicáveis, avisa a Alexander que a única maneira de salvar o mundo é o ex-jornalista dormir com Maria, pois ele sabe que se trata de uma feiticeira poderosa, mas de bom coração. Otto acrescenta ainda que não há outra alternativa para salvar o mundo.



Alexander vai à casa de Maria e conta a triste história de sua mãe. Depois chora e implora à Maria que o ame. Maria o abraço e diz que o vai proteger, deitando-se com Alexander na cama que começa a flutuar. Quando Alexander acorda encontra-se novamente em sua casa e ainda é a manhã do dia em que aconteceria o início da guerra total que destruiria a vida na Terra. Ele percebe que conseguiu reverter a catástrofe e agora precisa pagar a sua promessa com Deus (e aqui é irrelevante se os fatos da noite anterior aconteceram mesmo ou foram criações de uma mente atormentada pelo pressentimento da aproximação da morte). Quando todos estão fora da casa, Alexander coloca fogo numa toalha que rapidamente se alastra e consome toda a casa. Todos retornam e vêem a casa em chamas. Pouco depois uma ambulância chega e leva Alexander, que perde além da casa, a sua família que ele tanto amava.


Quando a ambulância que encaminha Alexander ao hospício passa pela árvore seca, o pequeno filho está aguando-a e, milagrosamente, fala: "No início era o verbo". Maria, a feiticeira, assiste a cena e se afasta solitariamente pela estrada.