sexta-feira, 30 de dezembro de 2022

No lápis da vida

Encontra-se aberta na Pinacoteca do Estado do Ceará a exposição - No lápis da vida não tem borracha - com vários desenho do artista plástico Aldemir Martins. Aldemir nasceu há cem anos, em 1922, na cidade de Aurora, no Ceará, tendo participado de diversas exposições no Brasil e no exterior. Ganhou vários prêmios por seu trabalho, incluindo entre outros, a Medalha de Ouro no V Salão Nacional de Arte Moderna no Rio de Janeiro e o Prêmio "Presidente Dei Consigli dei Ministeri", na XXVII Bienal de Veneza, ambos em 1956. Em 2005 o Museu de Arte Moderna de São Paulo inaugurou uma importante retrospectiva de sua obra "Sete décadas de sucessos artísticos" - 1945 - 2005, onde a obra do artista é revisitada. Abaixo, algumas das gravuras expostas na Pinacoteca do Ceará.






sexta-feira, 18 de novembro de 2022

Cem anos da partida de Proust

Hoje, 18 de novembro de 2022, faz exatamente cem anos da morte de Marcel Proust. Para lembrar essa data importante da literatura universal, reproduzo abaixo um pequeno trecho de "A prisioneira", quinta parte de sua obra "Em busca do tempo perdido". Esse texto refere-se ao momento da morte do escritor Bergotte, que pode ser vista como a morte de qualquer grande escritor ou de qualquer grande artista. É uma bela reflexão.

"Nova crise prostrou-o, ele rolou do canapé ao chão, acorreram todos os visitantes e guardas. Estava morto. Morto para sempre? Quem o poderá dizer? Certo, as experiências espíritas não fornecem a prova de que a alma subsista, como também não a fornecem os dogmas da religião. O que se diz é que tudo se passa em nossa vida como se nela entrássemos com o fardo de obrigações contraídas numa vida anterior; não existe razão alguma em nossas condições de vida nesta terra para que nos julguemos obrigados a praticar o bem, a ser delicados, mesmo a ser corteses, nem tampouco para que o artista culto se julgue obrigado a recomeçar vinte vezes um trabalho, cuja admiração que suscitará pouco lhe há de importar ao corpo comido pelos vermes, como o pedaço de parede amarelo pintado com tanta ciência e requinte por um artista desconhecido para sempre e apenas identificado pelo nome de Vermeer. Todas essas obrigações que não encontram sanção na vida presente parecem pertencer a um mundo diferente, fundado na bondade, no escrúpulo, no sacrifício, mundo diferente deste e do qual saímos para nascer nesta terra, antes talvez de voltar a viver nele sob o império dessas leis ignotas a que obedecemos porque trazíamos em nós o seu ensinamento, sem saber que aí as traçara – essas leis de que nos aproxima todo labor profundo da inteligência e que são invisíveis, nem sempre, aliás! – para os tolos. De sorte que não há inverossimilhança na ideia de não ter Bergotte morrido para sempre. Enterraram-no, mas durante toda a noite fúnebre, nas vitrinas iluminadas, os seus livros, dispostos três a três, velavam como anjos de asas espalmadas e pareciam, para aquele que já não existia, o símbolo da sua ressurreição."

Certamente, muitas centenas de anos ainda estarão por vir, trazendo justas homenagens a Marcel Proust e à sua obra.

domingo, 10 de julho de 2022

A religiosa, de Rivette

O filme "A religiosa", de Jacques Rivette (França, 1966), é baseado no romance "La Religieuse" do escritor Denis Diderot (1713 - 1784) , publicado postumamente em 1796. A história ocorre na década de 50 do século XVIII na França. Uma moça é enviada pela família a um convento contra a sua vontade, pois os pais não possuem mais dotes que permitam casá-la, já que suas duas irmãs mais velhas receberam tudo o que a família possuía para as casarem. Depois de muito relutar, afirmando que não poderia fazer os votos de obediência, castidade e pobreza, finalmente vai para o convento. A madre superiora é muito bondosa e a acolhe como a uma filha. Mas após a morte da referida madre, assume a direção do convento uma madre sádica que a persegue, fazendo-a passar por fome e privações. Conseguindo ser transferida para um outro convento, a freira é então perseguida pela madre superiora da sua nova instituição, que se apaixona por ela e tenta ter um relacionamento homossexual. Com o apoio de um padre que compreende o sofrimento que ela passa naquele local, consegue fugir do convento. Ela então vai se esconder numa pequena vila, onde realiza trabalhos pesados. Para sobreviver, acaba tendo que pedir esmola. Uma cafetina a coloca em sua casa onde o destino responderá aos seus anseios através de uma tragédia.



domingo, 17 de abril de 2022

A criança e a árvore

Num sonho a pessoa era acompanhada por um cachorro, lembrando o cão que acompanha por um momento os protagonistas em 'Stalker' e 'Nostalgia'...

Andrei Tarkovsky dirigiu sete longa metragens: A infância de Ivan (1962), Andrei Rublev (1966), Solaris (1972), O espelho (1974), Stalker (1979), Nostalgia (1983) e O sacrifício (1986). Um fato bem conhecido das obras do cineasta russo é que o seu primeiro filme começa com uma criança em frente a uma árvore; da mesma forma encerra-se a sua última película, concluída quando ele já estava bastante doente, perto de sua morte. 


Cena de "A infância de Ivan'.


Cena de "Andrei Rublev".


Como eles misturam sonhos com realidade, há uma certa conexão entre os sete filmes, como se houvesse uma ligação sutil entre eles, tecidas através de locais ou por meio de símbolos. A árvore solitária em 'Nostalgia' e 'O sacrifício'; o galpão com o piso encharcado em 'Stalker' e 'Nostalgia'; o cão que acompanha por um momento o protagonista em 'Stalker' e 'Nostalgia'; o incêndio no galpão no 'O espelho' e a casa no 'O sacrifício'. E o caminhar; os personagens estão sempre caminhando, à procura de algum objetivo, como o pequeno soldado Ivan na A Infância de Ivan; o pintor, em Andrei Rublev; o personagem de O Espelho; o astronauta em Solaris, que começa a sua saga ainda aqui na Terra numa longa viagem de carro; Andrei, que busca uma nova maneira de viver em Nostalgia; o escritor Alexander, em O Sacrifício, filme que termina com a feiticeira caminhando para sua morada.

Outros elementos comuns que são possíveis de serem observados são o garrafão de água em O espelho e Nostalgia; a casa entre as árvores na floresta no O espelho e O sacrifício; a chuva, que é onipresente no A infância de Ivan, Andrei Rublev, O espelho, Stalker e Nostalgia.  


Cena de "O espelho".



Cena de "Nostalgia".

sexta-feira, 15 de abril de 2022

Leonardo, há 570 anos...

Há exatamente 570 anos nascia Leonardo da Vinci. Leonardo, que exerceu diversas atividades como engenheiro, cientista, anatomista, inventor, arquiteto, escultor, pintor, foi antes de tudo um grande observador da natureza. Sem ter tido a oportunidade de estudar em uma universidade (ou estudar formalmente como os seus ricos contemporâneos) conseguiu dar muitas contribuições para o entendimento do mundo, como explicar o porquê da leve claridade da Lua durante a lua nova; a descoberta da independência da área na resistência de um objeto que se desloca sobre outro; a maneira como um feto encontra-se no útero de sua mãe; o formato dos turbilhões formados com a água que escoa com turbulência, entre outros, anotando tudo num caderno que escrevia como se fosse a imagem de um espelho.



Figura 1: Autoretrato de Leonardo da Vinci.

Na pintura, em particular, fez algumas das obras mais famosas do mundo, como a 'Monalisa' e a 'Santa Ceia', além de vários estudos. Algumas obras certamente se perderam, enquanto outras, não foram concluídas, como a 'Adoração dos Reis Magos'. Para comemorar essa efeméride, reproduzimos abaixo umas poucas obras do mestre da Renascença. Vida longa a Leonardo!



Figura 2: 'A anunciação', obra pintada entre 1472 e 1475.



Figura 3: Retrato de Cecilia Gallerani, 'Dama com Arminho'.



Figura 4: Uma das pinturas mais reproduzidas em todo o mundo: 'A última ceia'.

domingo, 2 de janeiro de 2022

Senhora do Nilo

Ruanda, pequeno país no centro da África, é a terra dos tutsis, dos hutus, dos batwas. Explorado inicialmente pelos alemães e posteriormente pelos belgas na sanha colonialista européia de dois séculos, Ruanda foi palco de um dos mais vergonhosos episódios ocorridos no século XX: o massacre de mais de oitocentas mil pessoas. No livro "Nossa Senhora do Nilo" (Notre-dame du Nil) a escritora Scholatique Mukasonga conta a história de estudantes de um colégio tradicional onde as moças pertencentes à alta sociedade são educadas na tradição cristã, tendo como referência cultural a Europa e a língua francesa. E como pouco a pouco, os adivinhos da chuva, os detentores dos segredos das ervas e da floresta, os velhos que conhecem os encantos e encantamentos vão desaparecendo, substituídos pelos valores ocidentais. 

"A irmã Lydwine era professora de história-e-geografia, mas ela fazia uma distinção clara entre as duas disciplinas: segundo ela, a história se referia à Europa, a geografia, à África. (...) Para a África, não havia história, pois os africanos não sabiam ler nem escrever antes de os missionários trazerem as escolas para cá. Além disso, foram os Europeus que descobriram a África e a colocaram na história. E, se houve reis em Ruanda, seria melhor esquecê-los, pois hoje em dia vivíamos em uma República. Na África, havia montanhas, vulcões, rios, lagos, desertos, florestas e até algumas vilas. Bastava decorar os nomes e saber situá-las no mapa: Kilimandjaro, Tamanrasset, Karisimbi, Tombouctou, Tanganyika, Muhabura, FoutaDjalon, Kivu, Ouagadougou..."