sexta-feira, 26 de dezembro de 2014

O vapor que se dissipa no ar

Olhando na escala de séculos, o orgulho de um homem não vale muita coisa. "Vaidade das vaidades, tudo é vaidade." Em certas páginas de Em busca do tempo perdido, Proust nos mostra a ilusão da soberba de um nobre que será para sempre esquecido, a vaidade de uma princesa que, duzentos anos após, estará registrada no máximo num livro empoeirado que não será aberto por ninguém, ou as preocupações de um homem que cruzou um caminho, que foi coberto pelo mato e dele não ficou o mínimo registro. Abaixo encontram-se as reproduções de dois momento de "Sodoma e Gomorra", na tradução poética de Mario Quintana" em que afloram, respectivamente, o orgulho e a inveja doentia de um pobre homem e a pseudo-modéstia de uma rica duquesa:

"  O sr. de Froberville forçosamente se havia beneficiado da situação de favor que desde pouco era concedida aos militares na sociedade. Infelizmente, se a mulher a quem desposara era parenta muito legítima dos Guermantes, era também uma parenta extremamente pobre, e como ele próprio perdera a fortuna, não tinham relações quaisquer, e eram dessas pessoas a quem deixavam de lado a não ser nas grandes ocasiões, quando lhes sucedia perderem ou casar algum parente. Então verdadeiramente faziam parte da comunhão do alto mundo, como os católicos de nome que só se aproximam da Santa Mesa uma vez por ano. Sua situação material seria até desastrosa se a sra. de Saint-Euverte, não tivesse auxiliado de todos os modos o casal, fornecendo vestidos e distrações às duas meninas. Mas o coronel, que passava por um bom sujeito, não tinha um coração agradecido. Invejava os esplendores de uma benfeitora que era a primeira a celebrá-los sem trégua e sem medida. A garden-party anual era para ele, sua mulher e seus filhos um prazer maravilhoso que não desejaria perder por todo o ouro do mundo, mas um prazer envenenado pelas satisfações de orgulho que dele tirava a sra. de Saint-Euverte. O anúncio dessa garden-party nos jornais que, em seguida, após um relato detalhado, acrescentavam maquiavelicamente: 'Voltaremos a tratar dessa bela festa', os pormenores complementares sobre as toaletes, dados durante vários dias seguidos, tudo isso fazia tanto mal ao Froberville, que eles, bastante privados de prazeres e sabendo que podiam contar com o daquela festa, chegavam a desejar cada ano que o mau tempo lhe prejudicasse o êxito, consultando o barômetro e antegozando uma tempestade que pudesse fazer gorar a festa."

" - Olhe, sabe a quem foi que causou muito pesar o casamento de Swann? À minha mulher. Oriane tem muitas vezes o que eu chamarei uma afetação de insensibilidade. Mas, no fundo, sabe sentir com uma força extraordinária. - A sra. de Guermantes, encantada com essa análise do seu caráter, escutava-o com ar modesto, mas não dizia palavra, por escrúpulo de aquiescer ao elogio, e principalmente por medo de o interromper. Poderia o sr. de Guermantes falar ainda uma hora sobre o assunto, que ela ainda menos se teria movido, como se lhe tocassem música. - Pois bem! recordo-me de que, ao saber do casamento de Swann, ela sentiu-se melindrada; julgou  que era muito mal feito da parte de uma pessoa a quem testemunháramos tanta amizade. Estimava bstante a Swann, e sentiu muitíssimo. Não foi, Oriane? A sra. de Guermantes julgou que deveria responder a uma interpelação tão direta, sobre um fato concreto que lhe permitiria, sem que o parecesse, confirmar os louvores que sentia terminados. Num tom tímido e simples, e com um ar tanto mais estudado quanto pretendia parecer 'sentido'. - É isso mesmo, Basin, não está enganado."

quinta-feira, 25 de dezembro de 2014

Quanto mais sós...

A amada que foi levada pelo tempo, que não respondeu a uma carta (um e-mail ou um whatsapp, para os jovens leitores), que faltou a um encontro, que menosprezou um presente, que esnobou um poema, que nem se dignou a cruzar o seu olhar na direção onde o angustiado homem se encontrava, ávido por alguns segundos de atenção... Os encontros e os desencontros da vida novamente na pena ágil de Marcel Proust (O caminho de Guermantes, terceiro volume de Em busca do tempo perdido) na tradução de Mario Quintana:

"E passado o último carro, quando sentimos com dor que ela não mais virá, vamos jantar na ilha; por cima dos álamos trêmulos que recordam sem fim os mistérios do entardecer mais do que respondem a eles, uma nuvem rósea põe uma última cor de vida no céu asserenado. Algumas gotas de chuva caem sem ruído na água, antiga, mas na sua divina infância, que continua sendo da cor do tempo e que esquece a todo instante as imagens das nuvens e das flores. E depois que os gerânios, intensificando a iluminação de suas cores, lutaram inutilmente contra o crepúsculo ensombrecido, uma bruma vem envolver a ilha que adormece, passeamos pela úmida escuridão, pela margem da água, onde, quando muito, a passagem silenciosa de um cisne nos pasma como num leito noturno os olhos abertos um instante e o sorriso de uma criança que não supúnhamos desperta. Então quiséramos tanto mais ter conosco uma amada quanto mais sós nos sentimos e mais longe nos podemos crer.
(...)
Quando me encontrei sozinho em casa, lembrando-me que tinha ido fazer uma excursão vesperal com Albertine, que cearia depois de amanhã em casa da sra. de Guermantes e, de que tinha de responder a uma carta de Gilberte, três mulheres a quem havia querido, considerei que a nossa vida social está cheia, como o estúdio de um artista, de esboços abandonados em que por um momento julgáramos poder plasmar a nossa necessidade de um grande amor, mas não pensei que às vezes, se o esboço não é muito antigo, pode acontecer que o retornemos e façamos dele uma obra muito diferente, e talvez até mais importante do que aquela que havíamos projetado a princípio."

quarta-feira, 24 de dezembro de 2014

Ave Maria, cheia de graça!




Ave Maria, cheia de graça!. Sandro Botticelli (1445 - 1510).

No almoço

serebryakova_03.jpg (1000×823)

Obra de Zinaida Serebriakova(1914). Zinaida Serebriakova foi uma pintora russa que viveu entre 1884 e 1967. Algumas de suas obras mais famosas são Pastores (1914), No almoço (1914) e Retrato de uma jovem mulher (1915).