terça-feira, 22 de junho de 2021

Stalker

Um professor e um escritor, conduzidos por um guia - o Stalker - vão para uma região misteriosa, conhecida como a Zona. Nessa região, completamente vigiada pelo exército para impedir o acesso de qualquer aventureiro, dizem que existe um quarto onde todos os desejos mais ardorosos e sinceros das pessoas são realizados. Entretanto, a viagem até ele é cheia de dificuldades, em primeiro lugar porque os eventuais visitantes necessitam fugir das balas das metralhadoras dos soldados que vigiam a entrada, e em segundo porque na Zona há armadilhas misteriosas e às vezes mortais construídas pela própria Zona. Na viagem o Stalker, o professor e o escritor fazem diversas reflexões sobre a vida, incluindo uma sobre o desejo, que segundo um deles, são coisas efêmeras e basta dar-lhes um nome para perderem o sentido. Quanto mais próximos da região central da Zona, mais complexos os caminhos vão se tornando, mas os acontecimentos que lá ocorrem dependem mais das pessoas que entram do que da Zona propriamente dita.




Para auxiliar nas muitas reflexões ao longo do caminho até chegar ao quarto misterioso no coração da Zona, poemas de dois poetas russos, Arseni Tarkovski (pai do diretor) e Fyodor Tyuchev, são declamados pelos personagens ou sussurrados por um narrador. De Arseni Tarkovski: "Agora o verão se foi e poderia nunca ter vindo. No sol está quente, mas tem que haver mais./ Tudo aconteceu, Tudo caiu em minhas mãos como uma folha de cinco pontas, mas tem de haver mais./ Nada de mau se perdeu, nada de bom foi em vão, uma luz clara ilumina tudo, mas tem de haver mais./ A vida me recolheu à segurança de suas asas, minha sorte nunca falhou, mas tem de have mais./ Nem uma folha queimada, nem um graveto partido, claro como um vidro é o dia, mas tem de haver mais."




Ao chegarem finalmente na entrada do quarto dos desejos, após o escritor refletir sobre o martírio e o suplício que é para ele produzir os seus livros e do professor e cientista recordar sobre a sua trajetória que ao fim e ao cabo não tem muito sentido, mesmo que ganhe um prêmio Nobel, ambos desistem de ultrapassar a porta. A viagem está concluída e a história termina com o Stalker em sua casa, completamente esgotado, ao lado da esposa e da filha pequena. 


Stalker. Direção: Andrei Tarkovsky, Roteiro: Arcady Strugatsky e Boris Strugatsky, Música: Eduard Artemyov. Atores: Alexander Kaidanovski, Anatoli Solonitsyn, Nikolai Grinko, Alisa Freindlich, Natacha Abramova. (URSS, 1979).

segunda-feira, 14 de junho de 2021

Solaris

Solaris pode ser visto de várias formas, como o dilema entre a lógica e conhecimento e a humanidade do ser humano. "Na busca pela verdade, o homem encontra o conhecimento". A busca não é fácil, é bem difícil na verdade, é angustiante. Angustiante como a viagem de carro que o psicólogo Kris faz de uma cidade a outra, ainda na Terra. Além disso, no caminho da verdade, o homem tem que superar os seus medos (um pouco como o garotinho que fala para a sua mãe do medo que sente do cavalo, para ele desconhecido, que encontrava-se no fundo da casa) e a depressão oriunda da falta de esperança no futuro. O suicídio como a resposta última ao absurdo da vida, ao peso do fardo de se respirar e não ter uma plena consciência do seu passado e, portanto, de possuir um desconhecimento de si mesmo no presente. A ressurreição como símbolo da transcendência da vida; e o amor, que vence as barreiras do tempo e da morte, como se fosse o único remédio para a angústia da vida.

Numa estação espacial em torno de Solaris, um planeta com um oceano que, sob nuvens, muda constantemente de aspecto, as pessoas começam a enlouquecer. O psicólogo Kris é escalado para investigar. Lá chegando descobre que acontecimentos estranhos começaram a ocorrer após a estação realizar pesados bombardeios de raios-X sobre o planeta. As poucas pessoas que ainda encontram-se na estação acreditam que o oceano é um ser vivo que materializa imagens para os astronautas da estação, de acordo com os seus medos e os seus desejos. Kris encontra a sua esposa Karin, morta há dez anos, em seu quarto. Ele tenta se livrar dela, lançando-a ao espaço, mas ela retorna. No retorno, Karin morre novamente, mas ressuscita. Sendo uma materialização criada pela inteligência do planeta, ela não lembra bem de certos detalhes de sua vida passada com Kris. Isso lhe dá tristeza e também uma consciência de que não é completamente humana. Mas ela reconhece que com a tristeza que sente e as lembranças de sofrimentos, está se tornando humana. Eis um rápido resumo do enredo de Solaris, de Andrei Tarkovski.


O conhecimento pode ser conquistado a qualquer custo ou o conhecimento só é válido quando baseado na moralidade? Tem o homem o direito de destruir outras formas de vida? Essas são algumas poucas questões numa história com mistérios, milagres e dúvidas a respeito do que realmente significa sermos humanos. E também sobre os limites entre a realidade e os desejos.


Ficha técnica: Solaris. Direção: Andrei Tarkovski (Itália, 1972, 165 min). Roteiro: Andrei Tarkovski, Fridrich Gorenchtein, com argumento baseado no romance homônimo de Stanislaw Lem. Fotografia: Vadim Yusov; música: Eduard Artemev; cenografia: Micahil Romadin. Atores: Donatas Banionis, Natalia Bondarchuk, Yuri Yarvet, Anatoli Yarvet, Anatoli Solonitsyn. 

terça-feira, 8 de junho de 2021

Funeral de estado

State Funeral, de Sergei Loznitsa (Holanda, Lituânia, 2019) é um interessante documentário sobre o funeral do líder soviético Josef Stalin, sob a perspectiva dos cineastas da antiga União Soviética. Na verdade, trata-se de partes de filmes feitos por cerca de uns 200 diferentes profissionais que registraram esse momento marcante da história do país. De acordo com o diretor, são filmagens que se encontravam em diversos arquivos, realizadas com filme de 35 mm Kodak, AGFA e da própria União Soviética, que cobrem os poucos dias entre o anúncio da morte do líder e o seu sepultamento. O que se destaca nas filmagens é a tristeza da população, além da exaltação nos alto-falantes das cidades à imagem do Presidente do Conselho de Ministros da URSS e do Soviete Supremo.




Essa exaltação à imagem do líder permeia todos as filmagens. Isso é reforçado pelos comentários que se ouvem em áudios recuperados da época: "Pela primeira vez na vida, com todo o meu coração e mente eu entendo essa palavra misteriosa: imortalidade! (...) É verdade que Josef Vissariónovitch Stalin faleceu. É verdade que seu coração parou de bater. Seu coração dedicado ao povo. (...) Sua cabeça imóvel repousa sobre o travesseiro. Ela nunca mais abrigará outro pensamento genial. Tantos pensamentos preciosos nasceram em seu cérebro genial! (...) A imortalidade de Stalin está em seus atos." 


Todas as imagens foram digitalizadas pela equipe do diretor Sergei Loznitsa. Destacam-se também no filme outros detalhes mais sutis, captados com muita maestria pelos diretores de filmagem da época: as coroas de flores jazendo em fila em torno de um prédio numa noite de ruas vazias; a ponte sobre um rio congelado e as pessoas concentrados na praça de uma cidade num dia frio castigadas pela neve que cai; as torres de petróleo do Ilyich Harbour sob  pesadas nuvens de chuva no Azerbaijão; os cavaleiros atravessando uma montanha coberta de gelo e o trenó puxado por renas no Distrito Autônomo de Yamalo-Nenets; a multidão no centro de Vladivostok; os caminhões e carros que atravessam a cidade e as árvores desfolhadas numa larga calçada onde caminham transeuntes apressados...


Outro destaque das filmagens do velório são as muitas crianças que aparecem em diversas cidades acompanhando os seus pais nas homenagens a Stalin ou em fila indiana carregando flores, guiadas pela professora. Os diretores das filmagens talvez quisessem mostrar que toda a sociedade estava unida naquele momento, certamente crítico, com a tensão não muito explícita entre lideranças que procuravam consolidar o poder central. Independentemente das ideologias e das ideias que os profissionais das filmagens queriam mostrar, tratam-se de belas filmagens de grandes cineastas. Grande filme, na minha modesta opinião.