segunda-feira, 27 de fevereiro de 2017

No país do carnaval

O Brasil é um país que parece que avança para o passado. Em 16/03/16 a presidenta Dilma Rousseff nomeou Lula da Silva como ministro-chefe da Casa Civil e um dia depois o juiz Sergio Moro, que comanda o julgamento da operação Lava-Jato, vazou áudios sobre a nomeação ao telejornal da Rede Globo, acusando-a de querer obstruir a operação. No outro dia o STF – através de Gilmar Mendes – decidiu pelo impedimento de posse de Lula. Menos de um ano depois, Temer nomeia Moreira Franco ministro, apesar de ter sido delatado pela Odebrecht como recebedor de propinas nas concessões de aeroportos e também em fraudes na CEF. Sob circunstâncias semelhantes ao caso de Lula, na verdade mais grave pois era claramente para blindar Franco com foro privilegiado, o STF através de Celso de Mello o mantém ministro e, obviamente, com foro privilegiado.

E, então, entra em cena o ministro Eliseu Padilha que diz que o Ministro da Saúde – que comprou terreno no valor de 28 milhões de reais em transação suspeitíssima – foi escolhido em troca de votos no Congresso Nacional.

Pouco antes do carnaval, o empresário José Yunes afirma a um jornalista que à pedido de Eliseu Padilha, Lucio Funaro financiara 140 deputados para garantir a eleição de Eduardo Cunha à presidência da Câmara dos Deputados. Além disso, Yunes afirmou que Michel Temer e Marcelo Odebrecht se reuniram em 2014 para acertarem uma propina de 11 milhões de reais.

Esses fatos estão em evidência agora, durante o carnaval de 2017. Muitas informações estão aparecendo, procurando dar sentido a várias informações (que estão sendo divulgadas por Anonymus) como o “Tabapuã Papers é subura com Temer e Globo” de Eduardo Guimarães no Blog da Cidadania, publicado em 26/02/2017 e “Xadrez do elo desconhecido entre Temer e Yunes” de Luis Nassif no Blog GGN, publicado em 27/02/2017. A seguir, reproduzo um texto do Professor Aldo Fornazieri publicado hoje, também no sítio GGN.

A Lava Jato e seus inimigos íntimos
Aldo Fornazieri
A grande frente que se formou para perpetrar o golpe do impeachment está se desfazendo aos poucos. O ponto de convergência desta frente foi a Operação Lava Jato. Ela era o estandarte, a bandeira tremulante, na qual estava estampada a cruz para liderar o expurgo dos corruptos que haviam se apossado do país. Sérgio Moro parecia ser uma espécie de São Bernardo de Clairvaux, cujos pareceres nos processos e nos mandatos eram verdadeiras chamadas à mobilização de cruzados. Ou, quem sabe, era o bispo Fulk um dos chefes da Cruzada Cátara para combater com violência os hereges porque, entre outras coisas, estes queriam uma maior igualdade.
Nas cruzadas do impeachment todos eram santos: os que foram às ruas, os integrantes do judiciário, os porta-vozes da grande mídia, os políticos contrários ao governo Dilma, os deputados do indescritível espetáculo do 17 de abril, os grupos que pregavam a volta dos militares etc. São Michel, com seu cortejo de anjos e arcanjos, haveria de purificar o Brasil com seu jeitinho manso, com sua habilidade de conversar, com sua capacidade de construir consensos. O Brasil, livre dos demônios vermelhos, seria unificado, num estalar de dedos a economia voltaria a crescer e o manto verde e amarelo da ordem e do progresso haveria de produzir paz, contentamento, empregos e opulência. 

Esta grande mentira, que embebedou boa parte da sociedade, hoje não passa de um espelho estilhaçado em mil pedaços, todos eles refletindo a face da maior quadrilha de corruptos que se apossou do poder. Todos eles refletindo as faces de um grupo indigesto de políticos que se acotovelam para participar da suruba do Foro Privilegiado. Todos eles refletindo as faces de antigos comparsas que agora querem queimar o sagrado estandarte no fogo cruzado que objetiva bloquear a marcha da libertação da terra santa. Até os santos, os chefes dos cavaleiros templários, o São Bernardo, são diariamente chamuscados pelas chamas que vêm das barricadas que tentam bloquear a justiça purificadora.
O PMDB, principal beneficiário, se tornou também o principal inimigo da Lava Jato. Já tentou várias manobras no Congresso para detê-la. Agora vêm os ataques públicos. Junto com alguns colunistas e blogueiros de direita, que se valeram de todas as ilegalidades da Lava Jato e do juiz Moro para derrubar o governo Dilma, desferem petardos contra os vazamentos seletivos, contra a criminalização da política, contra as conduções coercitivas, contra a manutenção de acusados na cadeia para que eles façam delações premiadas, contra o "lado obscuro" da operação e assim por diante. Investigar corruptos do PMDB e do PSDB virou sinônimo de "criminalização da política". Contra o PT se tratava de "limpeza moral". Mas a partir do governo Temer, a fetidez do ar bloqueou até mesmo a chuva nos céus de Brasília.
O PMDB está na linha de frente no combate à Lava Jato. Age como se fosse uma infantaria, uma espécie de bucha de canhão. Já, o PSDB, age como se fosse um grupo de comando de forças especiais. Usa a inteligência, tem infiltrados poderosos nas trincheiras "inimigas" como Rodrigo Janot, o próprio Moro, Gilmar Mendes, Dias Toffoli e o ministro plagiador. Entre os infiltrados, nem todos são amigos entre si. O único ponto de convergência consiste em proteger os caciques do tucanato.Uns torpedeiam a Lava Jato, citando, inclusive, ilegalidades contra petistas; outros,querem preservá-la no que lhes interessa.
As direitas que patrocinaram as mobilizações de rua agora estão divididas. De um lado estão aqueles que querem salvar Temer para salvar o PSDB em 2018. Além de atacarem a Lava Jato, acusam seus ex-colegas classificando-os de "direita xucra", de fazer o jogo da esquerda por querem continuar mobilizando contra a corrupção. Ocorre que as perspectivas de 2018 colocam as direitas em uma encruzilhada, em marchas para caminhos distintos. A "direita xucra" quer a continuidade das mobilizações por duas razões: 1) ficar com Temer poderá significar um naufrágio; 2) não quer uma alternativa tucana, pois está engajada na construção de um projeto mais à direita - talvez Bolsonaro, talvez um outro candidato a la Trump.  
Temer deveria renunciar e Moro se afastar.
Não é necessário muito esforço de lógica para perceber o que a "Operação Mula", que envolve José Yunes, Eliseu Padilha e Michel Temer quer esconder. O PMDB tinha três chefes que recebiam e distribuíam propinas: Michel Temer, Eduardo Cunha e Eliseu Padilha. Não se tratava atos fortuitos, ocasionais, mas de operações sistemáticas de corrupção tramadas, inclusive, em palácios da República.
A continuidade de Temer na presidência da República foi, é e será uma afronta à dignidade nacional, à moralidade social, aos conceitos fundantes da Constituição Federal. Se ainda restam alguns resquícios de comunidade política nacional, Temer precisa se afastar ou ser afastado. Aqui cabe uma cobrança às sumidas oposições: sem o afastamento de Temer, o futuro da dignidade da política, da sua moralidade, da responsabilidade, estará comprometido por anos seguidos. Sem a saída de Temer a herança que ficará serão os escombros da democracia e a percepção de que golpes valem a pena.
O juiz Moro, por seu turno, não  tem mais condições morais de permanecer à frente da Lava Jato. Em recente palestra proferida nos Estados Unidos ele afirmou que não contribuiu para derrubar Dilma. Ele não só contribuiu de forma decisiva como, agora se sabe, agiu deliberadamente para proteger os mal-feitos de Temer ao cancelar perguntas dirigidas pela defesa de Cunha ao presidente-usurpador. Ao barrar as perguntas de Cunha, o juiz Moro cometeu duas ilegalidades: 1) barrou o direito de defesa, algo que não cabe a nenhum juiz praticar; 2) prevaricou, pois o certo era permitir que se pudesse conhecer aquilo que as perguntas pretendiam revelar.
Vejam-se apenas duas das perguntas barradas por Moro dirigidas a Temer: "Qual a relação de Vossa Excelência com o Sr. José Yunes?" e "O Sr. José Yunes recebeu alguma contribuição de campanha para alguma eleição de Vossa Excelência ou do PMDB?". Moro classificou como "chantagem" e "provocações" as perguntas da defesa de Cunha. Está claro que ele agiu para proteger Temer, protegendo um esquema criminoso.
A cada dia que passa, as provas deixam mais evidente que quem destruiu a Petrobras pela corrupção foi o PMDB. A destruiu para agora entregar os seus ativos ao capital estrangeiro. Este governo foi instituído para liquidar as empresas brasileiras a preço de banana, para entregar os direitos dos trabalhadores ao capitalismo de predação, para vender as aposentadorias de pobres idosos ao capital financeiro, para destruir a educação e a saúde públicas.
Agora a mídia e setores de direita querem vender a seguinte equação: a política vai mal, mas a economia vai bem, pois os indicadores estariam melhorando. Proclamar a queda da inflação e dos juros como grande feito desse governo significa vender fumaça, pois os dois indicadores são consequência do efeito inercial da recessão. Na verdade, a política está podre e a economia vai mal. Uma economia que tem mais de 12% de desempregados não pode estar bem. Uma economia que produz novos pobres todos os dias não pode estar bem. Uma economia que destrói o pouco de seguridade social do seu povo vai muito mal.

terça-feira, 14 de fevereiro de 2017

A Confraria de 1984

George Orwell, pseudônimo do britânico-indiano Eric Arthur Blair, abordou em várias de suas histórias o poder tal como ele conseguia vê-lo em sua época. Muitos dos escritos continuam atuais. Fazemos uma leitura e enxergarmos o Grande Irmão, um supra-poder que comanda o executivo, o legislativo e o judiciário, que dá prêmio a juízes, que convoca passeatas, que esconde grandes traficantes e criminaliza mendigos, que transforma cidadãos em bandidos e bandidos em santos, que domina, em resumo, todo o discurso no país, estando onipresente nas casas, clínicas, escritórios e fábricas. E a Confraria, uma humilde resistência que tenta se contrapor ao Grande Irmão, que é execrada pela mídia, pelo judiciário, pelos órgãos de repressão do Estado, pelo grande capital, vivendo escondida em ambientes virtuais, pelos becos escuros ou sob tortura nas celas úmidas das masmorras. A seguir, um pequeno trecho de 1984, uma das principais obras de Orwell.  

"A confraria não pode ser liquidada porque não é uma organização no sentido usual do termo. Nada além da ideia de que é indestrutível a mantém ativa. Vocês jamais contarão com nenhum outro alento além dessa ideia. Não experimentarão camaradagem nem encorajamento. Quando por fim forem apanhados, não receberão nenhuma ajuda. Nunca ajudamos nossos membros. No máximo, quando é absolutamente necessário que alguém seja silenciado, às vezes conseguimos introduzir às escondidas uma navalha na cela do prisioneiro. Trabalharão por algum tempo, serão presos, confessarão e depois morrerão. São esses os únicos resultados que haverão de testemunhar. Não há a menor possibilidade de que ocorram mudanças perceptíveis em nossa geração. Nós somos os mortos. Nossa única vida genuína repousa no futuro. Participaremos dela na condição de pó e fragmentos ósseos. Não há, porém, como saber quanto tempo decorrerá até o advento desse futuro. Talvez mil anos. No momento, nada é possível, exceto ampliar pouco a pouco a área de sanidade. Não temos como agir coletivamente. Só podemos disseminar nosso conhecimento de indivíduo a indivíduo, geração após geração. Com a Polícia das Ideias, não há outra saída."