quinta-feira, 15 de setembro de 2016

O acadêmico orgulhoso

Há pouco mais de uma semana um docente aposentado de uma universidade paulista fez um comentário numa rede social que produziu certa polêmica. O professor expressou a sua satisfação pelo fato de uma estudante na cidade de São Paulo ter ficado parcialmente cega em virtude de estilhaços de uma bomba arremessada pela polícia durante uma manifestação. Acredito que devem existir dezenas de razões para um professor emitir publicamente uma tal opinião. Mas... 

Chocado com a declaração, deparei-me novamente com uma passagem de Sodoma e Gomorra, a quarta parte do romance "Em busca do tempo perdido" de Marcel Proust. Nesse pequeno trecho, o narrador faz um comentário sobre um acadêmico que não cabia em si de orgulho por fazer parte de um salão que ele julgava o de mais alto padrão entre os ambientes burgueses apenas por eventualmente receber um aristocrata, mas que na verdade não passava de um local inexpressivo, composto por um pequeno grupo de pessoas medíocres que se sentiam gigantes ao bajular ricos burgueses e aristocratas decadentes. Outro incrível instantâneo da realidade na tradução de Mário Quintana:

"Mas Brichot tirava de sua intimidade com os Verdurin um brilho que o distinguia entre todos os seus colegas da Sorbonne. Ficavam eles deslumbrados com a narrativa que ele lhes fazia de jantares a que jamais seriam convidados, com a menção nas revistas ou o retrato exposto no salão, que dele tinham feito este escritor ou aquele pintor famosos, cujo talento prezavam mas de quem não tinham a mínima possibilidade de chamar a atenção, e enfim, com a própria elegância indumentária do filósofo mundano, elegância que haviam tomado a princípio por displicência, até que seu colega benevolamente lhes explicasse que fica bem pousar a cartola no chão durante uma visita e não é própria para os jantares no campo, por mais elegantes que sejam, em que deve ser substituída pelo chapéu mole, que assenta muito bem com o smoking".