sexta-feira, 14 de dezembro de 2018

Falecido, sem deixar vestígios

A memória tem a capacidade de misturar o passado ao espaço do presente. No trecho reproduzido abaixo de "A prisioneira", quinto volume do "Em busca do tempo perdido", de Proust, na tradução de Manuel Bandeira e Lourdes Sousa de Alencar, o narrador descreve os acontecimentos do final de um encontro social na casa dos Verdurin onde o ponto máximo da noite foi a apresentação do violinista Morel - jovem protegido do orgulhoso Sr. de Charlus - que executava obras do músico Vinteuin. Enquanto caminha por um dos compartimentos, o professor Brichot lembra-se de fatos de um passado distante e num chiaro-escuro da memória, o passado e o presente se confundem em lembranças arrebatadores. Nesse pequeno trecho uma frase de tirar o fôlego do leitor em outro grande momento de Marcel Proust.

"E por isso, sem dúvida, o salão da rua Montalivet desmerecia, aos olhos de Brichot, a residência atual dos Verdurin. Mas por outro lado acrescentava a esta, para o professor, uma beleza que ela não podia ter para as relações recentes. Alguns dos velhos móveis que tinham sido trazidos para ali, na mesma disposição, às vezes conservada e que eu próprio reconhecia, da Raspelière, integravam no salão atual partes do antigo que, por momentos, o evocavam até a alucinação, para em seguida parecerem quase irreais no seio da realidade ambiente, fragmentos de um mundo extinto que imaginávamos ver alhures. Um canapé surgido do sonho entre as poltronas novas e bem reais, cadeirinhas estofadas de seda cor-de-rosa, um pano de brocado para mesa de jogo, elevado à dignidade de pessoa, uma vez que, na sombra fria do Cais Conti o tisne das soalheiras que entravam pelas janelas da rua Montalivet (cuja hora ele conhecia tão bem quanto a própria sra. Verdurin) e pelos vãos das portas envidraças de Doville, aonde o tinham levado, e donde ele via o dia inteiro do outro lado do jardim florido o profundo vale, enquanto esperava a hora em que Cottard e o flautista jogariam a sua partida; o ramalhete de violetas e amores-perfeitos, pastel presenteado por um grande artista amigo, falecido, sem deixar vestígios, resumindo um grande talento e uma longa amizade, recordando-lhe o olhar atento e meigo, a bonita mão gorda e triste enquanto pintava; incoerente e artística desordem de presentes dos fiéis, que acompanharam por toda parte a dona da casa e acabaram adquirindo o cunho e a fixidez de um traço de caráter, de uma linha do destino; profusão de ramalhetes de flores, de caixas de chocolates, que sistematizava aqui como lá o seu desabrochamento segundo um modo de floração idêntica; interpolação curiosa dos objetos singulares e supérfluos, que continuam dando a impressão de estarem saindo da caixa em que foram oferecidos e que permanecem toda a vida o que foram primeiramente, presentes de Ano-Bom; todos esses objetos enfim que não poderíamos isolar dos outros, mas que para Brichot, velho frequentador das festas dos Verdurin, tinham aquela pátina, aquele aveludado das coisas a que, dando-lhes uma espécie de profundidade, vem juntar-se o seu "duplo" espiritual; tudo isso espalhava, fazia soar diante dele como outras tantas teclas sonoras que lhe despertavam no coração semelhanças amadas, reminiscências confusas que, em pleno salão inteiramente atual por elas marchetado aqui e acolá, recortavam, delimitavam, como faz num bonito dia um quadro de sol seccionando a atmosfera, os móveis e os tapetes e perseguindo-a de uma almofada a um vaso, de um tamborete ao resíduo de um perfume, de um modo de iluminação a uma predominância de cores, esculpiam, evocavam, espiritualizavam, faziam viver uma forma que era como a figura ideal, imanente a seus domicílios sucessivos, do salão dos Verdurin."

segunda-feira, 24 de setembro de 2018

Lua cheia

Hoje é uma lua cheia absurdamente brilhante, com sua luz que penetra as casas, as salas, passando pelas frestas do telhado em cuja casa dorme, exausta, a incompreensão sobre a vida. Uma rápida lembrança de Augusto dos Anjos através do seu poema Ao luar, na obra centenária "Eu".

Quando, à noite, o Infinito se levanta
À luz do luar, pelos caminhos quedos
Minha táctil intensidade é tanta
Que eu sinto a alma do Cosmos nos meus dedos!

Quebro a custódia dos sentidos tredos
E a minha mão, dona, por fim, de quanta
Grandeza o Orbe estrangula em seus segredos,
Todas as coisas íntimas suplanta!

Penetro, agarro, ausculto, apreendo, invado,
Nos paroxismos da hiperestesia,
O Infinitésimo e o Indeterminado...

Transponho ousadamente o átomo rude
E, transmudado em rutilância fria,
Encho o Espaço com a minha plenitude!

quarta-feira, 22 de agosto de 2018

Matança

Jatobá


Cipó caboclo tá subindo na virola 
chegou a hora do pinheiro balançar 
sentir o cheiro do mato da imburana 
descansar morrer de sono na sombra da barriguda 
de nada vale tanto esforço do meu canto 
pra nosso espanto tanta mata haja vão matar 
foi mata atlântica e a próxima amazônica 
arvoredos seculares impossível replantar 
que triste sina teve cedro nosso primo 
desde menino que eu nem gosto de falar 
depois de tanto sofrimento seu destino 
virou tamborete mesa cadeira balcão de bar 
quem por acaso ouviu falar da sucupira 
parece até mentira que o jacarandá 
antes de virar poltrona porta armário 
mora no dicionário vida-eterna milenar 

Quem hoje é vivo corre perigo 
e os inimigos do verde da sombra 
o ar que se respira 
e a clorofila das matas virgens 
destruídas bom lembrar 
que quando chegar a hora 
é certo que não demora 
não chama Nossa Senhora 
só quem pode nos salvar 

É caviúna, cerejeira, baraúna 
imbuia, pau-d arco, solva 
juazeiro, jatobá 
gonçalo-alves, paraíba, itaúba 
louro, ipê, paracaúba 
peroba, massaranduba 
carvalho, mogno, canela, imbuzeiro 
catuaba, janaúba, arueira, araribá 
pau-ferro, angico,amargoso, gameleira 
andiroba, copaíba, pau-brasil, jequitibá 

Cenários do Pajeú


No Nordeste brasileiro existe uma grande tradição de cantadores e poetas populares. Muitos nomes que dariam para fazer várias antologias, Patativa do Assaré, Oliveira de Panelas, Jessier Quirino, Sebastião Dias... Além disso, existem muitos músicos que conseguem traduzir muito bem um estilo de canção que é característico de uma determinada região. Alguns nomes mais conhecidos são Josias Sobrinho, que criou entre outros "Engenho de flores", uma canção estilo bumba boi do Maranhão (que foi gravada e fez sucesso na voz de Diana Pequeno), e Ednardo, que criou a também famosa "Pavão Mysteriozo", canção estilo maracatu do Ceará. Em outras postagens tentarei falar um pouco mais desses cantadores. Abaixo, reproduzo o poema "Cenários do Pajeú", de Sebastião Dias.


Originário das lendas
O rio rasga o sertão
Abrindo lagos e fendas
No corpo bruto do chão
Com águas turvas e claras
Sombreadas por taquaras
Jaramataia e bambu
E as panorâmicas paisagens
Ondulam de verde as margens
Do Vale do Pajeú
Quantos corpos flutuantes
Descem no dorso lendário
Entre espumas borbulhantes
O real e o imaginário
Se confundem nos remansos
Nos faz em lentos balanços
Sobe e desce o corpo nu
De uma criança sem mágoas
Bela e pura como as águas
Do leito do Pajeú
Quando o rio está de nado
Um caboclo da mão grossa
Quer passar pra o outro lado
Onde botou uma roça
Amarra em cipós de salsa
Uma pequenina balsa
De rolos de mulungu
E assim que o dia começa
Rema a balsa e atravessa
As águas do Pajeú
Vez em quando da colina
desce alegre a camponesa
Que na água cristalina
vem expor sua beleza
Desnuda o corpo trigueiro
da roupa que solta o cheiro
De carimã e beiju
E aonde o banho ela toma
Deixa o gostinho de goma
Nas águas do Pajeú
No verão os ceramistas
Trabalham todos os dias
São verdadeiros artistas
Dos lastros das olarias
Ali o barro amassado
É nas formas transformado
Em telha ou tijolo cru
E as chaminés das caieiras
Fumegam noites inteiras
Por cima do Pajeú
Um carvoeiro suado
Com tígina até no pescoço
De tarde esconde o machado
E vai se banhar num poço
As suas mão estouradas
E pernas encalombadas
De ferrão do capuchu
Mas o seu cansaço estranho
Termina depois de um banho
Nas águas do Pajeú
Escondidas nas juremas
aguardando o sol se pôr
Juritis e Seriemas
Gorjeiam notas de dor
Na vegetação rasteira
Lá no fim da capoeira
A corneta de um inhambu
Sonoriza a melodia
Da última canção do dia
Das matas do Pajeú
Grande aorta sertaneja
De cavidades enormes
As chuvas que os céus despejam
Causam cheias desconformes
O São Francisco gigante
Lhe atalha mais adiante
Só ele quebra o tabu
Do mistério da grandeza
Da força da correnteza
Da cheia do Pajeú
Nesse canteiro de flores
Que a natureza constrói
Seus gênios são cantadores
O vaqueiro é o seu herói
Sua memória completa
Com certeza algum poeta
Guardou no fim de um baú
Um livro com a história
A vida e a trajetória
Do povo do Pajeú

domingo, 29 de julho de 2018

Brasil com futuro?

Enquanto a miséria aumenta a olhos vistos por causa das atitudes irresponsáveis do governo golpista de Michel Temer traduzidas pelo fim dos programas Bolsa Família, Farmácia Popular e Mais Médicos, entre outros, dívidas de grandes bancos – da ordem de bilhões de reais – são perdoadas e impostos de petroleiras estrangeiras – da ordem de um trilhão de reais nos próximos vinte anos – são dispensados. Além disso, grandes campos de petróleo do Pré-Sal são fornecidos às companhias internacionais, a Embraer, que foi construída ao longo de décadas com muito esforço, cedida à empresa Boeing americana, e o sistema Eletrobrás é privatizado... O patrimônio do povo brasileiro e as suas condições básicas de vida estão sendo destruídos numa articulação onde se juntaram o judiciário elitista, a imprensa patrimonialista, os empresários de rapina e parte do parlamento representado por políticos corruptos de diversos partidos de direita, ou seja, a elite do atraso, na expressão muito bem cunhada pelo sociólogo Jessé de Sousa. Será que o Brasil terá um futuro?



sábado, 14 de julho de 2018

Cem anos de Bergman

Há exatos cem anos nascia o cineasta sueco Ingmar Bergman. Autor de filmes memoráveis como Persona, O Sétimo Selo e Morangos Silvestres, entre outros, é cultuado por muitos admiradores do cinema. Particularmente, acho Morangos Silvestres (Smultronstället) uma das mais belas obras do cinema. Assisti esse filme pela primeira vez numa sala de projeção no Conjunto Nacional, em São Paulo, tendo saído pela manhã de Campinas, onde morava, especificamente para esse fim. Na sessão das treze horas, apenas quatro ou cinco pessoas ocupavam o imenso salão de cadeiras vazias... era um ambiente misterioso para uma obra reveladora de grandes facetas da mente e da alma humanas. 


Prof. Isak Borg (Victor Sjöström) e Sara (Bibi Andersson) em Morangos Silvestres.

O filme Morangos Silvestres conta a história de um médico e professor, Isak Borg, que vai da cidade de Estocolmo para Lund de carro com sua nora para receber uma homenagem na universidade pelos seus 50 anos de profissão. A história toda acontece ao longo de um dia durante o qual se intercalam sonhos e realidade. O filme possui muitos simbolismos. Ele começa com um sonho do Prof. Borg pouco antes do amanhecer e termina também com um sonho logo após ele deitar-se à noite. No total são quatro sonhos, o que já poderia sugerir uma ideia de totalidade, ou ao menos, uma complementaridade entre a realidade e o sonho.

No primeiro sonho o Prof. Borg encontra-se num local desconhecido e desabitado da cidade onde os relógios não têm ponteiros, ou seja, como se o tempo não passasse. Ele vê então a chegada de uma carruagem desgovernada no interior da qual encontra-se um caixão de defunto. A roda da carruagem engancha num poste e os cavalos que a puxam ficam forçando para frente e para trás até ela quebrar e o caixão escorregar, ficando parcialmente aberto. Quando o professor se aproxima do caixão, a mão do cadáver que se encontra fora o agarra e quando ele olha para o corpo que está sendo carregado percebe que o mesmo está com os olhos abertos e para sua grande surpresa é o próprio professor! 

Ao acordar desse primeiro sonho o Prof. Borg, interpretado magistralmente por Victor Sjöström, resolve ir de carro com sua nora, ao invés de avião como estava combinado com todos, para desgosto de sua ajudante de muito anos, Agda. Ela então, chateada, sugere que esta é a atitude de um velho resmungão e egoísta. Durante a viagem o Prof. Borg tem uma dura conversa com a nora Marianne, interpretada por Ingrid Thulin, e se detém para descansar num local onde sua família passava o verão há muito tempo atrás: o campo dos morangos silvestres. 

Enquanto Marianne vai dar um mergulho num lago próximo, o Prof. Borg descansa na relva e sonha pela segunda vez naquele dia. Então, a imagem clara da manhã se dissolve em imagens ainda mais claras das lembranças, nas palavras do próprio Isak. Ele caminha até a casa e se reencontra com os seus familiares do passado. Lá estão os irmãos, a mãe, o tio e a prima Sara, o amor de sua vida. Enquanto Sara, interpretada pela atriz Bibi Andersson, está colhendo morangos silvestres para presentear o tio surdo que faz aniversário, ela é assediada pelo irmão do Prof. Borg, Sigmund. Sara está indecisa entre Isak, com sua inteligência e frieza, e Sigmund, um sujeito bonachão e brincalhão. 

Após assistir a cena do almoço e a dúvida de Sara, ele acorda com uma garota pedindo uma carona pois está indo para a Itália com dois amigos. A garota, que também se chama Sara e é interpretada pela mesma Bibi Andersson, está em dúvida com quem dos dois amigos ela deve namorar, uma vez que um deles é muito racional e o outro é sensível e religioso. Essa coincidência parece revisitar o passado do próprio Prof. Borg com seu irmão e sua prima (Sara se casara com Sigmund e tivera seis filhos). O simbolismo não passa despercebido pelo professor e ele comenta sobre a semelhança física da garota Sara com sua prima, que no momento tem setenta e cinco anos.

Mais à frente o carro que transporta as cinco pessoas quase se choca com outro que movimentava-se em sentido contrário. Isak e Marianne dão carona ao casal que vinha no outro veículo após o mesmo ter sofrido avarias. Entretanto, o casal fica brigando verbal e fisicamente na frente dos três jovens que estão no carro, lembrando ao Prof. Borg a sua própria vida pregressa quando era casado com Karen, já falecida. Por conta disso, Isak e Marianne pedem para o casal sair do carro. Mais adiante todos param num posto de gasolina na cidade aonde vive a mãe quase centenária de Isak. O frentista reconhece o antigo médico do lugarejo e o elogia como "o melhor médico do mundo". Isak pensa em voz alta que não deveria ter nunca saído dali. Isak vai com Marianne visitar a sua velha mãe e a nora percebe quão fria e dura era a avó do seu marido, Evald.

Novamente na estrada com a direção do carro sob Marianne, Isak sonha pela terceira vez. Inicialmente ele vê a sua prima Sara numa casa com o seu irmão Sigmund. Ela toca piano e a seguir os dois se dirigem a uma mesa onde será servido um jantar. A seguir, o velho Isak entra em uma casa onde vai passar por um teste de Medicina. O avaliador faz alguns questionamentos que ele não sabe ou não lembra a resposta. No exame prático o avaliador mostra uma mulher que está com o rosto ligeiramente inclinado e lhe pergunta o diagnóstico. Isak toca o seu pescoço e conclui que ela está morta. Quase imediatamente a mulher levanta a cabeça e dá uma sonora gargalhada. Isak, com o argumento de sua idade avançada - já tem 78 anos - pede que o avaliador seja indulgente. Entretanto o julgador o reprova por incompetência, frieza, egoísmo e falta de compreensão. Finalmente o avaliador o chama para um pátio ao lado e diz que quer lhe mostrar mais alguma coisa. A uns poucos metros Isak consegue ver a sua esposa Karen o traindo com outro homem. Karen diz que Isak, com sua típica frieza e atitude superior, vai perdoá-la. 

Pouco antes de chegar a Lund, Marianne tem uma conversa com o seu sogro e diz que agora entende a frieza de Evald, parece que vem da família, da mãe de Isak, do professor... Ela fala ainda que está grávida mas Evald não quer o filho mas mesmo assim ela vai tê-lo. Após a cerimônia em que o Prof. Isak Borg recebe um título da Universidade, os três jovens batem à sua janela e cantam uma canção para homenageá-lo. O Prof. Borg tem uma conversa com o filho Evald; Marianne vem se despedir dele de uma maneira amigável sugerindo uma reconciliação entre eles, ou ao menos uma compreensão após o dia de convivência. O Prof. Borg dorme e sonha pela quarta vez. Ele caminha novamente pelo claro caminho dos morangos silvestres guiado pelas mãos da prima Sara que o leva até a beira do lago. De lá ele acena e recebe de volta o carinho dos pais que o retribui com sorridentes acenos. 

Bergman no seu livro Imagens afirma que ao fim e ao cabo o filme se deveu principalmente a Viktor Sjöström que pegou o texto e inseriu a sua própria experiência "o seu sofrimento, misantropia, indiferença, brutalidade, dor, medo, solidão, gelo, calor, acidez e tédio (...) não era mais o meu filme, era o filme de Viktor Sjöström". Enfim, um filme belíssimo, com atuações excepcionais, cheio de poesia e reflexões acerca da vida e sobre a aproximação da morte. Um filme para dezenas e dezenas de reflexões. Parabéns, Bergman!


Marianne (Ingrid Thulin) e Prof. Isak Borg (Victor Sjöström) em Morangos Silvestres.


sábado, 7 de julho de 2018

A morte de Bergotte

Na última postagem lembrei de pesadelos atribuídos ao personagem Bergotte, de Em busca do tempo perdido, no quinto volume (A prisioneira) de Marcel Proust, na tradução de Manuel Bandeira e Lourdes Sousa de Alencar. Duas páginas à frente Proust faz uma curiosa descrição da morte do escritor Bergotte. Embora a narrativa não seja tão triste quanto aquela relativa à morte da avó do narrador, entretanto, trata-se de uma interessante reflexão sobre as obras de arte que são deixadas pelos artistas, os seus legados, que de certa forma parecem lhes fornecer um caráter de imortalidade. Mais alguns belíssimos parágrafos do gênio francês: 

“Morreu nas circunstâncias seguintes. Por causa de uma crise de uremia sem maior gravidade lhe haviam prescrito o repouso. Lendo, porém, num crítico, que na Vista de Delft de Ver Meer (emprestada pelo museu de Haia para uma exposição holandesa), quadro que ele apreciava muitíssimo e julgava conhecer em todos os pormenores, havia um panozinho de muro amarelo (de que não se lembrava) tão bem pintado que era como uma preciosa obra de arte chinesa, de uma beleza completa em si mesma, Bergotte comeu umas batatas, saiu de casa e entrou na exposição. Logo nos primeiros degraus que teve de subir sentiu umas tonteiras. Passou em frente de alguns quadros e teve a impressão da secura e da inutilidade de uma arte tão factícia, e que não valia as correntes de ar e de sol de um palazzo de Veneza, ou de uma simples casa à beira-mar. Enfim, chegou diante do Ver Meer, de que se lembrava como sendo mais luminoso, mais diferente de tudo o que conhecia, mas onde, graças ao artigo do crítico, reparou pela primeira vez numas figurinhas vestidas de azul, na tonalidade cor-de-rosa da areia e finalmente na preciosa matéria do pequenino pano de muro amarelo. As tonteiras aumentava; não tirava os olhos, como faz o menino com a borboleta amarela que quer pegar, do precioso panozinho de muro. ‘Assim é que eu deveria ter escrito’, dizia consigo. ‘Meus últimos  livros são demasiado secos, teria sido preciso passar várias camadas de tinta, tornar a minha frase preciosa em si mesma, como este panozinho de muro’. Não lhe passava, porém, despercebida a gravidade das tonteiras. Em celestial balança lhe aparecia; num prato a sua própria vida, no outro o panozinho de muro tão bem pintado de amarelo. Sentia Bergotte que imprudentemente arriscara o primeiro pelo segundo. ‘Não gostaria nada’, disse consigo, ‘de vir a ser para os jornais da tarde a nota sensacional desta exposição’.

Repetia para si mesmo: ‘Panozinho de muro amarelo com alpendre suspenso, panozinho de muro amarelo’. Nisso deixou-se cair subitamente, num canapé circular; subitamente também, cessou de pensar que estava em jogo a sua vida e, recobrando o otimismo, disse consigo: ‘É uma simples indigestão causada por aquelas batatas mal cozidas, não há de ser nada’. Nova crise prostou-o, ele rolou do canapé ao chão, acorreram todos os visitantes e guardas. Estava morto. Morto para sempre? Quem o poderá dizer? (...) não existe razão alguma em nossas condições de vida nesta terra para que nos julguemos obrigados a praticar o bem, a ser delicados, mesmo a ser corteses, nem tampouco para que o artista culto se julgue obrigado a recomeçar vinte vezes um trabalho, cuja admiração que suscitará pouco lhe há de importar ao corpo comido pelos vermes, como o panozinho de muro amarelo pintado com tanta ciência e requinte por um artista desconhecido para sempre apenas identificado pelo nome de Ver Meer. (...)

Enterraram-no, mas durante toda a noite fúnebre, nas vitrinas iluminadas, os seus livros, dispostos três a três, velavam como anjos de asas espalmadas e pareciam, para aquele que já não existia, o símbolo da sua ressurreição.”

sexta-feira, 6 de julho de 2018

Pesadelo

Vivemos um tempo sombrio, parece que estamos imersos em um pesadelo horroroso. O governo traidor e golpista, incompetente para resolver os problemas mais simples da população, destruiu os avanços que haviam sido conseguidos no período dos treze anos anteriores. Uma série de ações mostram a destruição do bem estar social como a reforma trabalhista, o fim do Programa Farmácia Popular, o fim do Programa Mais Médicos, o lucro imoral do Banco Itaú e o perdão de sua sonegação bilionária, a liberação de agrotóxicos que estão banidos há muito tempo da maioria dos países... Outras ações são claramente atos de lesa-pátria, que merecerão análises futuras: a dispensa de pagamento de impostos por petroleiras estrangeiras da ordem de 1 trilhão de reais nos vinte próximos anos, a entrega de boa parte dos campos de produção de petróleo do Pré-Sal a estas mesmas empresas, a tentativa de privatizar o sistema Eletrobrás, a entrega da base de lançamento de foguetes de Alcântara, a venda de 80 % da Embraer... São pesadelos que são acrescentados dia a dia por novas desagradáveis surpresas. Nesse ambiente de penumbra um dos poucos alentos é a literatura. Lembrei-me, então, de uma passagem de "A prisioneira" a quinta parte da obra Em busca do tempo perdido de Marcel Proust. Essa passagem refere-se aos dias que antecedem a morte do grande escritor Bergotte, quando insônias e pesadelos o assolam diariamente.

"Nos meses que lhe precederam a morte, sofria Bergotte de insônias, e o que é pior, logo que adormecia, de pesadelos, por causa dos quais despertava, fazia por não readormecer (...) Quando antes falava de pesadelos, entendia por isso coisas aborrecíveis que se passavam dentro de seu cérebro. Agora era como vindos de fora que sentia a mão munida de um esfregão molhado, a qual, passada na cara dele por uma mulher má, se empenhava em despertá-lo ou cócegas intoleráveis nos quadris ou a raiva de um cocheiro que, furioso por ter Bergotte murmurado no sono que ele guiava mal, investia contra o escritor e lhe mordia os dedos, os serrava. Enfim, logo que se lhe fazia no sono escuridão suficiente, procedia a natureza a uma espécie de ensaio, sem indumentária, do ataque de apoplexia que o havia de matar: Bergotte entrava de carro no pórtico da nova residência dos Swann, queria apear-se. Uma vertigem fulminante pregava-o ao banco, tentava o porteiro ajudá-lo a descer, mas ele permanecia sentado, incapaz de se levantar, de se aprumar nas pernas. Procurava agarrar-se ao pilar de pedra que havia perto, mas não encontrada nele apoio bastante para se pôr em pé."


sábado, 9 de junho de 2018

Beleza

O país que produziu figuras tristes - de ridículas memórias - e que vociferaram expressões medíocres, mas que entrarão para a história ["Com o Supremo, com tudo", "Tem que manter isso aí, viu?", "Tem que ser um que a gente manda matar antes de delatar", "Não tenho prova cabal contra o réu mas vou condená-lo porque a literatura jurídica me permite" e "O de sempre"], também produz pessoas com extrema sensibilidade e grande capacidade de produzir obras de arte. A lista de autores de belíssimas obras é imensa, nesse blog mesmo já reproduzimos alguns textos memoráveis de diversos brasileiros. Ler umas poucas dessas criações é um alento nesses tempos de desilusão. Abaixo reproduzimos o verso 'A beleza' do repentista pernambucano Oliveira Francisco de Melo, o Oliveira de Panelas:

A beleza é dos seres mais sagrados!
Da mãe dócil, que ama e amamenta,
Do amigo pastor que apascenta
Seu rebanho nos campos perfumados,
Nos amantes fiéis apaixonados
Onde pulsa do espírito, ao coração,
Fascinante, inaudível vibração,
Ritmando a orquestra sideral

Silhueta de estética angelical,
Tem seu corpo abstrato, a perfeição.


Na mais alta e profunda incandescência
Onde o cósmico segredo se revela,
Há quem veja a beleza inda mais bela
Quando a luz faz na onda a convergência,
Nos sutil despertar da inocência
No nascer majestoso de uma flor,
No bailar invisível do olor
Recebendo da brisa a baforada,
A mais linda beleza é encontrada
No cristal da pureza do amor.

No amor, na verdade e na pureza,
Na grandeza do bem que se oferece,
No espírito das leis da máxima prece
Onde a fé é o símbolo da grandeza,
A essência da alma da beleza
Vem do fruto do Reino Universal,
Nunca o tempo verá o seu final
Desta filha das forças portentosas,
Sinfonia das leis harmoniosas
Da perpétua Invenção Celestial.

domingo, 8 de abril de 2018

Um discurso no sindicato

Lula nasceu numa casa de taipa e escapando de estatística macabra, conseguiu sobreviver à fome nos seus primeiros anos de vida. Foi a São Paulo ainda menino em um pau-de-arara com a família onde mais tarde tornou-se um torneiro mecânico. Nordestino, retirante, operário, conseguiu como presidente da república fazer um governo bem superior aos de outros presidentes oriundos da classe dominante brasileira. Se tornou uma estrela internacional. Isso a elite, principalmente a aristocrática casta superior paulista, não perdoou. O amor próprio dessa elite mesquinha foi ferido de morte. Como consequência do seu triunfo em relação ao crescimento do país conjugado com distribuição de renda, ocorreu uma caçada humana implacável: a mídia patronal; os procuradores de bochechas rosadas e de óculos de aros finos; o anão de Curitiba; os três patetas de Porto Alegre; os "guardiões" da Constituição Federal de Brasília. Qual ópera bufa, uma farsa de caráter colossal se concretizou ontem, dia 07 de março de 2018. A prisão do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva foi o castigo por ele ter ousado introduzir na sociedade brasileira mecanismos para a inclusão social, a inclusão educacional, o acesso à saúde e ter feito uma defesa intransigente dos interesses nacionais frente aos interesses das nações hegemônicas. Mas antes de se entregar, fez mais um discurso histórico na sede do sindicato dos metalúrgicos do ABC. 

quinta-feira, 8 de fevereiro de 2018

Sentença anunciada há séculos

Dostoievski em sua pequena obra Uma doce criatura, constrói uma frase que talvez resuma o sentimento de boa parte da população brasileira sobre o golpe de estado ocorrido em 2016 e que continua em curso: "Sim, é nisto, precisamente nisto, que se funda todo o meu horror, no fato de eu compreender tudo". A condenação de Lula pelos juízes de primeira e segunda instâncias não foi motivada pelo recebimento indevido de um triplex no Guarujá, pois não há a mínima prova de que tal fato tenha ocorrido. A condenação de Lula foi ocasionada pelo fato dele ter visitado o apartamento, mas um metalúrgico, nordestino, ignorante, jamais poderia ter tido a petulância de procurar um imóvel que a princípio seria de uso exclusivo da elite brasileira. O retirante do subúrbio de São Paulo, mesmo tendo conseguido tirar o país do 'mapa da fome', ousou sonhar (como um negro nos canaviais da escravidão que sonhasse com um simples casebre). Para Lula e para o negro, a sentença já estava anunciada há vários séculos.


sexta-feira, 26 de janeiro de 2018

Segunda instância

Foi um misto de boçalidade, arrogância, escárnio, embromação... Certos tribunais brasileiros são espetacularmente bem qualificados nestes quesitos. Mas o que aconteceu no dia 24 de janeiro, mais do que uma encenação de pessoas bem nascidas – descendentes dos senhores de engenho, dos donos de cafezais e dos oficiais que trucidaram os miseráveis de Canudos – foi uma vingança. Foi uma vendetta rasteira da elite brasileira a uma pessoa de origem humilde que teve a audácia de se intrometer em uma atividade que a princípio ele não poderia ousar nem pensar. O nordestino retirante, trabalhador de chão de fábrica, ousou e ensinou. Os juízes meridionais, pobres diabos da soberba, serão esquecidos pela história; e que lhe caiam todo o peso da terra. 


quarta-feira, 10 de janeiro de 2018

Primeira instância

Perguntando-se o objetivo do golpe parlamentar de 2016 no Brasil, hoje é bastante claro que ele teve três eixos principais: (i) Desnacionalização das riquezas do país, em particular, o cobiçadíssimo petróleo do Pré-Sal; (ii) Proteção de uma série de atores políticos altamente envolvidos em corrupção; (iii) Aggiornamento do capitalismo local, retirando-se descaradamente direitos trabalhistas conquistados há décadas, diminuindo-se radicalmente os investimentos sociais e privatizando-se diversos serviços do estado, em particular, a previdência privada. O discurso do governo golpista é bastante afinado com a mídia patronal (formada por cerca de seis ou sete famílias chefiadas pelos barões da mídia). Este discurso foi preparado ao longo de vários anos, mas não teria tido sucesso se não tivesse o suporte indispensável da justiça parcial e partidária brasileira.

Muita tinta já foi gasta e certamente muitos estudiosos se debruçarão sobre a questão do apoio do poder judiciário ao golpe parlamentar. Para ficar registrada uma rápida análise, mas precisa, de uma faceta deste triste capítulo da nossa história recente, reproduz-se a seguir um texto conciso e claro de Tereza Cruvinel. Ele trata da condenação em primeira instância do ex-presidente Lula ocorrida numa estranha vara de justiça na improvável cidade de Curitiba, onde faltam provas mas abundam convicções preconceituosas e elitistas.

É preciso repetir: sem provas, Moro condenou Lula com base em delação.

Tereza Cruvinel, em 08/01/2018
Todos sabem por que o TRF-4 acelerou seu calendário e marcou para o dia 24 o julgamento do recurso do ex-presidente Lula contra a condenação do juiz Sérgio Moro. A coalizão do golpe, não tendo produzido um candidato conservador capaz de derrotar Lula, precisa tirá-lo da disputa presidencial. Seu retorno representaria não apenas o fracasso completo do golpe mas a interrupção de seu programa neoliberal anti-povo e anti-nacional. Parece também claro que não se pode esperar um julgamento justo e imparcial dos três togados de um tribunal cujo presidente já considerou “a priori” a sentença de Moro como irretocável, e  em que a chefe de gabinete faz proselitismo contra o ex-presidente em rede social. Mas, para ampliar a compreensão popular sobre a perseguição orquestrada contra Lula, sobre o que seja o lawfare de que falam seus advogados, não basta proclamar que ele foi condenado sem provas, por um crime inexistente: a posse de um apartamento que não possui, nem de fato nem no papel. É preciso recordar que Moro, não tendo provas, condenou-o baseando-se unicamente  na palavra de um delator. Em uma delação que foi arrancada a fórceps, numa prolongada tortura moral e psicológica contra o ex-presidente da OAS, Leo Pinheiro. 
 Uma enxurrada de denúncias contra Lula foi atirada contra a população nos últimos anos, através de um noticiário caudaloso na televisão e em todas as mídias. As acusações foram sendo lançadas em série, de modo que ele fosse percebido como o grande malfeitor, embora o quadrilhão esteja no governo  e o próprio presidente do golpe siga sendo investigado por ilícitos graves. Agora, por favorecimento a empresas de portos, depois de escapar de duas denúncias comprando votos. Neste torvelinho, muitos já não sabem de que trata a sentença que estará em discussão no dia 24, e mesmo assim, declaram a preferência por Lula nas pesquisas eleitorais. É preciso recordar que, para garantir sua condenação, a Lava Jato  buscou caprichosamente  a delação de Leo Pinheiro, numa sequência de fatos já esquecidos que não deixam dúvidas sobre o objetivo: sem provas, só a delação permitiria a condenação de Lula, e por decorrência, sua inelegibilidade.
Recordemos a sequência que levou Léo Pinheiro, até então amigo do ex-presidente, a se tornar um delator-traidor.
  1. Ele foi preso pela primeira vez em novembro de 2014 mas em abril de 2015 o STF determinou que fosse posto em prisão domiciliar.  Condenado a 16 anos de prisão por Moro, começou a negociar um acordo de delação premiada que permitiria a redução de sua pena.
  2. Em junho de 2016 Pinheiro prestou depoimento a Moro e aos procuradores da Lava Jato, em que antecipou as linhas gerais da delação que faria, revelando pagamentos da empreiteira a muitos políticos. Mas como não haveria nenhuma referência a Lula,  o acordo proposto foi recusado.  Em agosto as negociações sobre delação foram encerradas. A defesa de Lula requereu esclarecimentos sobre notícias de que isso teria ocorrido porque o delator não se dispôs a incriminá-lo.
  3. Duas semanas depois, Leo Pinheiro foi novamente preso, segundo Moro em nome da “garantia da ordem pública, conveniência da instrução criminal e segurança da aplicação da lei penal”. Começava aí a pressão para que ele delatasse Lula e o apontasse como dono do apartamento do Guarujá.
  4. Em novembro, sua pena foi aumentada em 10 anos, subindo para 26 anos.
  5. Em abril de 2017, finalmente Leo Pinheiro se rende a Moro e atende à Lava Jato. Ele declara que, quando a OAS adquiriu o empreendimento, soube que o tríplex estava reservado ao ex-presidente e que só tratou do assunto com João Vacari, nunca com Lula. Que na OAS, só ele tratou deste assunto. Que foram feitas as reformas e abatidas da propina que o PT tinha a receber da OAS.
A defesa de Lula apresentou o documento pelo qual a OAS havia dado o apartamento como garantia a uma instituição bancária. Esta era uma prova viva de que a OAS continuava sendo a dona do imóvel mas não foi levada em conta. Mesmo dizendo que o apartamento era de Lula, Pinheiro diz que não o consultou a emitir do documento em que o dava como garantia.
Com base unicamente na delação de Pinheiro, ignorando outros depoimentos de funcionários da OAS e as 87 testemunhas de defesa apresentadas por Lula, Moro o condenou por corrupção passiva e lavagem de dinheiro a 9,5 anos dee prisão. Somou o valor do apartamento com o das reformas para apontar o valor da suposta propina.
Leo Pinheiro fez ainda outra acusação a Lula. A de que, tendo perguntado se havia feito pagamentos ao PT, e diante da resposta afirmativa, mandou que destruísse as provas e registros que tivesse.
Seu depoimento ainda não tinha terminado quando os portais de notícias em tempo real começaram a publicar trechos de sua delação, especialmente o que se relacionava com o apartamento. Faltaram apenas os fogos.
Agora, falta a confirmação da sentença, baseada unicamente numa delação, pelo TRF-4,  para que o jogo seja concluído e Lula esteja fora da disputa eleitoral.  A fragilidade da sentença de Moro, assentada unicamente na delação de um homem desesperado para reduzir uma pena de 26 anos de prisão, precisa ser recordada e denunciada aos quatro cantos do mundo, ampliando a insurgência  contra a injustiça e a perseguição, como fazem os juristas, intelectuais, políticos e artistas que assinaram o  manifesto “Eleição sem Lula é fraude”.
O uso da delação premiada como prova única para condenar é criticado por  juristas de renome mas vou pinçar apenas a citação do processualista Geraldo Prado:
“Não há, na delação premiada, nada que possa, sequer timidamente, associá-la ao modelo acusatório do processo penal. Pelo contrário, os antecedentes menos remotos deste instituto podem ser pesquisados no Manual dos Inquisidores. Jogar o peso da pesquisa dos fatos no ombro de suspeitos e cancelar, arbitrariamente, a condição que todas as pessoas têm, sem exceção, de serem titulares de direitos fundamentais, é trilhar o caminho de volta à Inquisição. Em tempos de neofeudalismo,  isso não surpreende."
Não surpreende, mas deve indignar os que não compactuam com a tirania, mesmo togada.