Após
o golpe de estado de 2016, que segundo muitos analistas como o
jornalista Amir Sader, foi dado por uma gangue para assaltar o estado
e o colocar a seu serviço, os direitos da maioria da população
estão sendo cotidianamente atacados. Isso acontece através do
aumento do desemprego e da concentração de direitos – seja
através das reformas trabalhistas e previdenciárias – que
fortalecem e aumentam o poder das elites, representadas pelo grande
capital. Dentro desse contexto encontra-se também a
desnacionalização para o capital estrangeiro de reservas minerais
diversas, como o pré-sal [que poderá se configurar num crime de
lesa-pátria mais terrível do que a entrega da Vale do Rio Doce pelo
governo FHC], e a entrega de grandes áreas de terras agricultáveis
ou de extração mineral para estrangeiros. Fechando o ciclo,
permitindo de uma forma legal que crimes diversos sejam perpetrados,
encontra-se a justiça, que é praticada, de uma forma geral,
por e para pessoas longilíneas, de bochechas rosadas, cabelo bem
aparado e óculos de aro fino. Claro que há críticas e exceções à
regra nesses tristes dias que vivemos no trópico. Abaixo reproduzimos uma voz dissonante, a do ex-ministro Eugênio
Aragão, num texto de muita clareza.
Sobre palestras e a
apropriação do público pelo privado
por
Eugênio José Guilherme de Aragão, no site GGN em 18/06/2017.
Credores têm melhor memória
do que devedores (Benjamin Franklin).
Prezado ex-colega
Deltan Dallagnol,
Primeiramente digo
“ex”, porque apesar de dizerem ser vitalício, o cargo de membro
do ministério público, aposentei-me para não ter que manter
relação de coleguismo atual com quem reputo ser uma catástrofe
para o Brasil e sobretudo para o sofrido povo brasileiro. Sim,
aposentado, considero-me “ex-membro” e só me interessam os
assuntos domésticos do MPF na justa medida em que interferem com a
política nacional. Pode deixar que não votarei no rol de
malfeitores da república que vocês pretendem indicar, no lugar de
quem deveria ser eleito para tanto (Temer não o foi), para o cargo
de PGR.
Mas, vamos ao que
interessa: seu mais recente vexame como menino-propaganda da entidade
para-constitucional “Lava Jato”. Coisa feia, hein? Se oferecer a
dar palestras por cachês! Essa para mim é novíssima. Você, então,
se apropriou de objeto de seu trabalho funcional, esse monstrengo
conhecido por “Operação Lava Jato”, uma novela sem fim que já
vai para seu infinitésimo capítulo, para dele fazer dinheiro? É o
que se diz num sítio eletrônico de venda de conferencistas. Se não
for verdade, é bom processar os responsáveis pelo anúncio, porque
a notícia, se não beira a calúnia é, no mínimo, difamatória.
Como funcionário público que você é, reputação é um ativo
imprescindível, sobretudo para quem fica jogando lama
“circunstancializada” nos outros, pois, em suas acusações,
quase sempre as circunstâncias parecem mais fortes que os fatos. E,
aqui, as circunstâncias, o conjunto da obra, não lhe é nada
favorável.
Sempre achei isso
muito curioso. Muitos membros do Ministério Público não se medem
com o mesmo rigor com que medem os outros. Quando fui
corregedor-geral só havia absolvições no Conselho Superior. Nunca
punições. E os conselheiros ou as conselheiras mais lenientes com
os colegas eram implacáveis com os estranhos à corporação,
daquele tipo que acha que parecer favorável ao paciente em habeas
corpus não é de bom tom para um procurador. Ferrabrás para fora e
generosos para dentro.
Você também se mostra assim. Além de comprar
imóvel do programa "Minha Casa Minha Vida" para especular,
agora vende seu conhecimento de insider para um público de voyeurs
moralistas da desgraça alheia. É claro que seu sucesso no show
business se dá porque é membro do Ministério Público, promovendo
sua atuação como se mercadoria fosse. Um detalhe parece que lhe
passou talvez desapercebido: como funcionário público, lhe é
vedada atividade de comércio, a prática de atos de mercancia de
forma regular para auferir lucro. A venda de palestras é atividade
típica de comerciante. Você poderia até, para lhe facilitar a
tributação, abrir uma M.E., não fosse a proibição categórica.
E onde estão os órgãos disciplinares? Não venha
com esse papo de que está criando um fundo privado para custear a
atividade pública de repressão à corrupção. Li a respeito dessa
versão a si atribuída na coluna do Nassif. A desculpa parece tão
abstrusa quanto àquela do Clinton, de que fumou maconha mas não
tragou. Desde quando a um funcionário é lícita a atividade
lucrativa para custear a administração? Coisa de doido! É típica
de quem não separa o público do privado. Um agente patrimonialista
par excellence, foi nisso que você se converteu. E o mais cômico é
que você é o acusador-mor daqueles a quem atribui a apropriação
privada da coisa pública. No caso deles, é corrupção; no seu, é
virtude. É difícil entender essa equação.
Todo cuidado com os moralistas é pouco. Em geral são
aqueles que adoram falar do rabo alheio, mas não enxergam o próprio.
Para Lula, não interessa que nunca foi dono do triplex que você
qualifica como peita. Mas a propaganda, em seu nome, de que se vende
regularmente, como procurador responsável pela "Lava Jato",
por trinta a quarenta mil reais por palestra, foi feita de forma
desautorizada e o din-din que por ventura rolou foi para as boas
causas. Aham!
Que batom na cueca, Deltan! Talvez você crie um
pouco de vergonha na cara e se dê por impedido nessa operação
arrasa a jato. Afinal, por muito menos uma jurada ("Schöffin")
foi recentemente excluída de um julgamento de um crime praticado
pelo búlgaro Swetoslaw S. em Frankfurt, porque opinara negativamente
sobre crimes de imigrantes no seu perfil de Facebook
(http://m.spiegel.de/panorama/justiz/a-1152317.html).
Imagine se a tal jurada vendesse palestras para falar disso! O céu
viria abaixo!
Mas é assim que as coisas se dão em democracias
civilizadas. Aqui, em Pindorama, um procuradorzinho de piso não vê
nada de mais em tuitar, feicebucar, palestrar e dar entrevistas sobre
suas opiniões nos casos sob sua atribuição. E ainda ganha dinheiro
com isso, dizendo que é para reforçar o orçamento de seu órgão.
Que a mercadoria vendida, na verdade, é a reputação daqueles que
gozam da garantia de presunção de inocência é irrelevante, não
é? Afinal, já estão condenados por força de PowerPoint transitado
em julgado. Durma-se com um barulho desses!