quarta-feira, 22 de agosto de 2018

Matança

Jatobá


Cipó caboclo tá subindo na virola 
chegou a hora do pinheiro balançar 
sentir o cheiro do mato da imburana 
descansar morrer de sono na sombra da barriguda 
de nada vale tanto esforço do meu canto 
pra nosso espanto tanta mata haja vão matar 
foi mata atlântica e a próxima amazônica 
arvoredos seculares impossível replantar 
que triste sina teve cedro nosso primo 
desde menino que eu nem gosto de falar 
depois de tanto sofrimento seu destino 
virou tamborete mesa cadeira balcão de bar 
quem por acaso ouviu falar da sucupira 
parece até mentira que o jacarandá 
antes de virar poltrona porta armário 
mora no dicionário vida-eterna milenar 

Quem hoje é vivo corre perigo 
e os inimigos do verde da sombra 
o ar que se respira 
e a clorofila das matas virgens 
destruídas bom lembrar 
que quando chegar a hora 
é certo que não demora 
não chama Nossa Senhora 
só quem pode nos salvar 

É caviúna, cerejeira, baraúna 
imbuia, pau-d arco, solva 
juazeiro, jatobá 
gonçalo-alves, paraíba, itaúba 
louro, ipê, paracaúba 
peroba, massaranduba 
carvalho, mogno, canela, imbuzeiro 
catuaba, janaúba, arueira, araribá 
pau-ferro, angico,amargoso, gameleira 
andiroba, copaíba, pau-brasil, jequitibá 

Cenários do Pajeú


No Nordeste brasileiro existe uma grande tradição de cantadores e poetas populares. Muitos nomes que dariam para fazer várias antologias, Patativa do Assaré, Oliveira de Panelas, Jessier Quirino, Sebastião Dias... Além disso, existem muitos músicos que conseguem traduzir muito bem um estilo de canção que é característico de uma determinada região. Alguns nomes mais conhecidos são Josias Sobrinho, que criou entre outros "Engenho de flores", uma canção estilo bumba boi do Maranhão (que foi gravada e fez sucesso na voz de Diana Pequeno), e Ednardo, que criou a também famosa "Pavão Mysteriozo", canção estilo maracatu do Ceará. Em outras postagens tentarei falar um pouco mais desses cantadores. Abaixo, reproduzo o poema "Cenários do Pajeú", de Sebastião Dias.


Originário das lendas
O rio rasga o sertão
Abrindo lagos e fendas
No corpo bruto do chão
Com águas turvas e claras
Sombreadas por taquaras
Jaramataia e bambu
E as panorâmicas paisagens
Ondulam de verde as margens
Do Vale do Pajeú
Quantos corpos flutuantes
Descem no dorso lendário
Entre espumas borbulhantes
O real e o imaginário
Se confundem nos remansos
Nos faz em lentos balanços
Sobe e desce o corpo nu
De uma criança sem mágoas
Bela e pura como as águas
Do leito do Pajeú
Quando o rio está de nado
Um caboclo da mão grossa
Quer passar pra o outro lado
Onde botou uma roça
Amarra em cipós de salsa
Uma pequenina balsa
De rolos de mulungu
E assim que o dia começa
Rema a balsa e atravessa
As águas do Pajeú
Vez em quando da colina
desce alegre a camponesa
Que na água cristalina
vem expor sua beleza
Desnuda o corpo trigueiro
da roupa que solta o cheiro
De carimã e beiju
E aonde o banho ela toma
Deixa o gostinho de goma
Nas águas do Pajeú
No verão os ceramistas
Trabalham todos os dias
São verdadeiros artistas
Dos lastros das olarias
Ali o barro amassado
É nas formas transformado
Em telha ou tijolo cru
E as chaminés das caieiras
Fumegam noites inteiras
Por cima do Pajeú
Um carvoeiro suado
Com tígina até no pescoço
De tarde esconde o machado
E vai se banhar num poço
As suas mão estouradas
E pernas encalombadas
De ferrão do capuchu
Mas o seu cansaço estranho
Termina depois de um banho
Nas águas do Pajeú
Escondidas nas juremas
aguardando o sol se pôr
Juritis e Seriemas
Gorjeiam notas de dor
Na vegetação rasteira
Lá no fim da capoeira
A corneta de um inhambu
Sonoriza a melodia
Da última canção do dia
Das matas do Pajeú
Grande aorta sertaneja
De cavidades enormes
As chuvas que os céus despejam
Causam cheias desconformes
O São Francisco gigante
Lhe atalha mais adiante
Só ele quebra o tabu
Do mistério da grandeza
Da força da correnteza
Da cheia do Pajeú
Nesse canteiro de flores
Que a natureza constrói
Seus gênios são cantadores
O vaqueiro é o seu herói
Sua memória completa
Com certeza algum poeta
Guardou no fim de um baú
Um livro com a história
A vida e a trajetória
Do povo do Pajeú