sábado, 27 de março de 2021

Siemion Ivânovitch

De acordo com alguns estudiosos o conto "O senhor Prokhártchin", escrito em 1846 por Fiódor Dostoiévski, foi todo destroçado pelas tesouras dos censores. Segundo o próprio escritor disse a amigos, o conto ficou irreconhecível. A censura se deveu ao fato de Dostoiévski tratar dos dias finais de vida da um miserável, enlouquecido e também avarento funcionário público. A pobreza de um funcionário público já havia sido explorada no seu primeiro romance "Pobre Gente" (1844-46) enquanto que a loucura, também relativa a um funcionário público esquizofrênico, fora explorada por Dostoiévski em "O Duplo" (1845-46). 

A edição brasileira, preparada por Natália Nunes e Oscar Mendes, mostra que o senhor Siemion Ivânovitch Prokhártchin, mora no mais sombrio e humilde canto de uma pensão e vive com poucos recursos por causa de seu baixo salário. Ao morrer deixa uns poucos objetos num velho baú e algum dinheiro no interior de um colchão. No leito fúnebre, parece que as preocupações abandonam definitivamente o velho funcionário:

"Aliás, Siemion Ivânovitch tinha antes o ar de um velho egoísta ou de qualquer pardal ladrão. Ali estava, muito tranquilo, como quem tem a consciência em paz, como se não tivesse sido o autor de todas aquelas partidas para enganar as pessoas de bem da maneira mais ignóbil. Já não ouvia o pranto da sua desamparada hospedeira. Muto pelo contrário, tal como um capitalista maldoso, decidido até ao túmulo a não perder o tempo na inatividade, tê-lo-iam julgado completamente absorvido por cálculos de especulação. O seu rosto exprimia uma meditação profunda e os lábios comprimiam-se num ar de gravidade, de que nunca ninguém o teria julgado capaz enquanto vivo. Parecia ter ganho muito em inteligência e conservava o olho direito meio fechado, como se tivesse querido agarrar à pressa alguma ideia muito importante que não tivera tempo desembrulhar..."

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