segunda-feira, 12 de outubro de 2015

Do alto do morro

Do alto do morro eu consegui ver todo o bairro, silencioso, um silêncio falso pois o drama de milhares de pessoas ali se desenrolava. Numa casa daquelas, que minha visão fitava apenas na direção aproximada, estava uma vida bastante particular. Mas a pessoa, com certeza, neste momento nem desconfiava que a casa onde morava era procurada por uma vista meio desiludida, meio conformada.

A ambiguidade da realidade é algo surpreendente. Como a figura no meio da plantação no 'Nosferatu' do Murnau; à princípio pensamos que é uma pessoa ou mesmo um fantasma, quando na verdade trata-se de um espantalho.

Quando retornei à casa observei a novidade do meu rádio empoeirado que nunca mais tocara nenhuma música e que servia apenas como guarda-cartas, com envelopes e páginas escritas jogadas sobre ele. Para aquelas folhas riscadas não houvera resposta. E num instante mágico eu retornei em pensamento ao alto do morro e consegui ver toda a minha ambiguidade: a coragem do sonho e o meu silêncio. Teria sido surpreendente chegar à casa da minha amiga e, sem rodeios, dizê-la: "vim porque estava morrendo de saudade". Ela então, recuperada da pequena surpresa, abriria um sorriso e diria: "que bom".

30/10/1994

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