segunda-feira, 4 de março de 2019

A caminho de Piura

Bia encontrava-se a onze quilômetros de altura, possivelmente sobre o Mato Grosso, indo em direção ao oeste. Em algum ponto da viagem seria meia-noite, mas chegaria em Lima um pouco antes desse horário. Ela viajava na direção do fuso horário e de certa maneira, era como viajar para o passado. Mas contrário ao simbolismo, ela estava viajando para o futuro.

A viagem começara algumas horas antes em Fortaleza, quando as irmãs foram deixá-la no aeroporto. Algumas delas, crianças ainda, sentiriam a ausência da Bia durante toda a sua viagem, mas as viagens deixam sempre alguém com uma certa saudade e um esquisito nó na garganta. Todos se acostumam.

Depois, já no aeroporto do Rio de Janeiro, durante uma espera de quase cinco horas para o voo ao Peru ficou mais tranquila por causa de um feliz encontro com uma estudante estadunidense que não falava absolutamente nada de português. Este fato fortuito deu a oportunidade para Bia treinar um pouco a língua inglesa e conhecer superficialmente o local onde vivia a colega americana. Mary nascera em Minneapolis - talvez numa linda fazenda às margens do Mississípi - e crescera em Salt Lake City graças à exigência de trabalho de seu pai. Essa última cidade, próxima às montanhas, permitia que sempre fosse possível realizar aprazíveis passeios em colinas e encostas cheias de pedregulhos e colher flores nativas e cogumelos selvagens que crescem nos serrotes em épocas bem particulares do ano.

Chegando em Lima, Bia deveria esperar quase seis horas pelo próximo voo que a conduziria para a cidade de Piura. Novamente, ela conseguiria uma companhia para passar toda a madrugada do primeiro dia do ano de dois mil e dezoito, uma japonesa que também se comunicava com desenvoltura na língua inglesa. Shimatzo morava em Tóquio e estava esperando um voo, que decolaria aproximadamente no mesmo horário, para Cusco; ela também era estudante e queria visitar Macchu Pichu, a cidade fantástica dos Incas.

As duas garotas trocaram ideias do que poderia ser uma vida dedicada à arqueologia andina, investigando o passado glorioso de povos e processos histórico-econômicos de civilizações que se estendiam da floresta amazônica até as altas montanhas dos Andes onde a monotonia era quebrada apenas pelo voo solitário do condor. Quem sabe investigar a origem da terra que deu origem a um cerâmica do extremo norte, figuras de pedra e cabeças em argila dos Andes setentrionais, os muros do templo de Wiracocha e uma garrafa de água ornamentada dos Andes Centrais; visitar o Titicaca e se maravilhar com pedaços de tecidos fabricados há mais de dois mil anos e descobrir o significado de esculturas e máscaras de pedra dos Andes Meridionais. A conversa prolongou-se por horas até que cada uma seguiu o seu destino.

Bia embarcou no avião que a levaria até a próxima cidade. Olhou com rapidez pela janela parcialmente embaçada, acomodou como pode a sua cabeça na poltrona e descansou enquanto sonhava com o que encontraria de novo nos próximos quarenta dias. Certamente haveria muito trabalho na comunidade, era para isso que ela tinha ido, mas também muita aventura. 


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