quarta-feira, 25 de outubro de 2023

A Colação de Grau

Hoje seria um dia especial. Para qualquer pai, a colação de grau de um filho é um dia bastante simbólico. Um cordão umbilical invisível que o unia à infância e à juventude da criança é cortado e o filho encontra-se adulto para sempre. As brincadeiras na piscina, as viagens imaginárias no barco que estava sempre prestes a partir e os filmes de Branca de Neve ficaram irremediavelmente no passado. A partir de agora há um novo futuro e os passos dos formandos vão começar a construir suas próprias estradas.

Encontrava-me numa grande euforia pelo que esperava presenciar dali a poucas horas. Esqueci de informar, chamo-me Melquíades, é um nome estranho eu sei, mas os pais têm essa prerrogativa de escolher os nomes dos pequenos. Quando estava chegando ao meu carro no estacionamento do prédio, escuto um pouco surpreso: - Seu Melquíades, o senhor estacionou o seu carro muito próximo do meu.

Olhei rapidamente e vi que o carro do vizinho é que se encontrava sobre a listra divisória amarela, portanto, a observação dele era um completo absurdo.

- Meu caro, retruquei, acho que o senhor está enganado, seu carro é que avançou na minha garagem.

Enquanto entabulava essa discussão, lembrei-me que em diversas ocasiões já ajudara esse vizinho: levara-o para comprar uma bateria nova, ajudara-o a trocar um pneu e ainda conseguira, certa vez, água destilada para colocar no motor superaquecido. Ajudei-o por ajudar, nada de altruísmo de minha parte. Mas em relação a mim, o seu relacionamento amistoso sempre possuía uma restrição, um senão, um porém, um problema. Eu bem que poderia ter mantido uma distância de segurança, mas não o fiz.  

- Você é um estúpido, acrescentou descontroladamente o vizinho. Eu não conseguia entender perfeitamente aquela agressividade. Pensei que se rebatesse com algum argumento um pouco convincente poderia até ser agredido fisicamente. 

- Vou requer uma reunião para discutirmos a sua insolência, esbravejava o homem completamente transtornado. - Vou lhe expulsar daqui. Tudo era surreal.

Entrei o mais rápido possível no meu carro e saí, deixando o vizinho com o rosto assustador refletindo no retrovisor. Meu ânimo inicial por um importante acontecimento que se aproximava - a colação de grau do meu filho - fora completamente despedaçado por um fato absolutamente singelo. O vizinho sabia que eu não estava errado, sua atitude foi apenas para me maltratar, sabe lá Deus o porquê.

Em direção ao trabalho, quis esquecer, mas a ameaça me perturbara fortemente, pelo menos durante aquele dia. Cheguei chateado no escritório e não consegui concatenar as ideias. Fiquei olhando a folha de papel sobre a mesa como se ela quisesse me avisar que tudo aquilo era pequeno demais: - Você é um idiota!

Saí mais cedo e caminhei em torno da praça central com suas árvores centenárias. As caleches e os coches foram há muito substituídos por carros extremamente modernos. Calaram-se os chicotes, falam agora silenciosamente as placas de silício. - Meu Deus, como passa o tempo!

No anfiteatro lotado, os jovens e familiares acompanhados de suas alegrias ocupavam quase todo o espaço. Sentado no chão, pois não havia mais cadeiras disponíveis, rabisquei um papel para encerrar o dia: - Filho, hoje completa-se um ciclo simbólico na sua vida. Acredito no futuro, apesar dos anos, os seus pesos, tropeços e bocejos.

Eu iria escrever mais alguns parágrafos, mas uma bota chutou para longe a caneta que estava em minha mão. Está bom mesmo assim. Amanhã terei um novo dia de tarefas, vou já para casa dormir.


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