quarta-feira, 15 de abril de 2020

Marcel

O narrador do Em busca do tempo perdido, de Marcel Proust, discute sobre o sentido da vida, sobre os hábitos, as ambições, a inveja, o amor, a arte e a morte. Entretanto, em toda a longa obra, com mais de um milhão de palavras, o nome desse narrador só aparece duas vezes, ambas no quinto volume, A Prisioneira (La prisonnière). A primeira referência ao nome acontece quando a personagem Albertine desperta de um sono, e nessa parte do enredo, o personagem se revela e, aparentemente, se confunde com o autor. A segunda referência ocorre quando a mesma Albertine manda um bilhete para o narrador e este a fica aguardando com uma mistura de angústia e satisfação. Estes dois momentos foram traduzidos por Manuel Bandeira e Lourdes Sousa de Alencar para a editora Globo das maneiras descritas abaixo.

A hesitação do acordar revelada pelo seu silêncio não o era pelo seu olhar. Logo que recuperava a palavra, dizia: "Meu" ou "Meu querido", seguidos um ou outro do meu nome de batismo, o que, atribuindo ao narrador o mesmo nome que ao autor deste livro, daria: ''Meu Marcel", "Meu querido Marcel". Já eu não consentia desde então que em família os parentes, chamando-me também querido, tirassem às palavras deliciosas que me dizia Albertine o privilégio de serem únicas. Ao dizê-las, fazia um momo, que logo transformava num beijo. Tão depressa adormecera havia pouco, tão depressa acordava.

[...]

Senti um vivo movimento de gratidão por Albertine, que, era visível, não tinha ido ao Trocadero por causa das amigas de Léa e me mostrava , renunciando ao espetáculo e voltando a meu chamado, que me pertencia mais do que imaginava. Maior ainda foi ele quando um rápido me trouxe um bilhetinho dela recomendando-me paciência e onde havia daquelas expressões carinhosas que lhe eram familiares: "Meu querido, meu caro Marcel, chegarei menos depressa do que este rápido, de cuja bicicleta gostaria de me utilizar para me ver depressa junto de você. Como pode pensar que eu possa ficar zangada e que alguma coisa possa me entreter mais do que estar com você? Será gostoso sairmos juntos, seria ainda mais gostoso nunca sairmos senão juntos Que ideias são essas suas? Esse Marcel! Toda sua, Albertine".

Nenhum comentário:

Postar um comentário