Patativa do Assaré é o nome
artístico de Antônio Gonçalves da Silva, grande poeta nordestino. Teve educação
formal, em escola, por apenas três meses durante toda a sua longa vida de
agricultor. Produziu os seus mais de 1000 poemas (que sabia de cabeça) enquanto
trabalhava no seu roçado, no interior do estado do Ceará. Abaixo reproduzimos
um dos seus poemas, “A morte de Nanã”, que consiste em 210 versos heptassílabos, distribuídos em 21 estrofes
de 10 versos. Poesia em estado bruto.
A morte de Nanã
Eu vou contá uma história
Eu vou contá uma história
Que eu não
sei como comece,
Pruquê meu
coração chora,
A dor no
meu peito cresce,
Aumenta o
meu sofrimento
E fico
ouvindo o lamento
De minha
alma dolorida,
Pois é bem
triste a sentença,
De quem
perdeu na existência
O que mais
amou na vida.
Já tô
véio, acabrunhado,
Mas em
riba deste chão,
Fui o mais
afortunado
De todos
filhos de Adão.
Dentro da
minha pobreza,
Eu tinha
grande riqueza:
Era uma
querida filha,
Porém
morreu muito nova.
Foi
sacudida na cova
Com seis
ano e doze dia.
Morreu na
sua inocência
Aquele
anjo encantadô,
Que foi na
sua existência,
A cura da
minha dor
E a vida
do meu vivê.
Eu
beijava, com prazê,
Todo dia
de manhã,
Sua face
pura e bela.
Era Ana o
nome dela,
Mas eu
chamava Nanã.
Nanã tinha
mais primô
Do que as
mais bonita jóia,
Mais linda
do que as fulô
De um tá
de Jardim de Tróia
Que fala o
doutô Conrado.
Seu cabelo
cacheado,
Preto da
cor de veludo.
Nanã era
meu tesouro,
Meu
diamante, meu ouro,
Meu anjo,
meu céu, meu tudo.
Pelo
terreiro corria,
Sempre se
rindo e cantando,
Era
nutrida e sadia,
Pois,
mesmo se alimentando
Com feijão,
milho e farinha,
Era gorda,
bem gordinha
Minha
querida Nanã,
Tão gorda
que reluzia.
O seu
corpo parecia
Uma banana
maçã.
Todo dia,
todo dia,
Quando eu
voltava da roça,
Na mais
completa alegria,
Dentro da
minha paioça
Minha Nanã
eu achava.
Por isso,
eu não invejava
Riqueza
nem posição
Dos grande
deste país,
Pois eu
era o mais feliz
De todos
filho de Adão.
Mas, neste
mundo de Cristo,
Pobre não
pode gozá.
Eu, quando
me lembro disto,
Dá vontade
de chorá.
Quando há
seca no sertão,
Ao pobre
falta feijão,
Farinha,
milho e arroz.
Foi isso
que aconteceu:
A minha
filha morreu,
Na seca de
trinta e dois.
Vendo que
não tinha inverno,
O meu
patrão, um tirano,
Sem temê
Deus nem o inferno,
Me deixou
no desengano,
Sem nada
mais me arranjá.
Teve que
se alimentá,
Minha
querida Nanã,
No mais
penoso maltrato,
Comendo
caça do mato
E goma de
mucunã.
E com as
braba comida,
Aquela
pobre inocente
Foi
mudando a sua vida,
Foi
ficando diferente.
Não se ria
nem brincava,
Bem pouco
se alimentava
E enquanto
a sua gordura
No corpo
diminuía,
No meu
coração crescia
A minha
grande tortura.
Quando ela
via o angu,
Todo dia
de manhã,
Ou mesmo o
rôxo bêjú
Da goma da
mucunã,
Sem a
comida querer,
Oiava pro
de comê,
Depois
oiava pra mim
E o meu
coração doía,
Quando
Nanã me dizia:
Papai, ô
comida ruim!
Se passava
o dia inteiro
E a
coitada não comia,
Não
brincava no terreiro
Nem
cantava de alegria,
Pois a
falta de alimento
Acaba o
contentamento,
Tudo
destrói e consome.
Não saía
da tipóia
A minha
adorada jóia,
Enfraquecida
de fome.
Daqueles
óio tão lindo
Eu via a
luz se apagando
E tudo
diminuíndo.
Quando eu
tava reparando
Os oínho
da criança,
Vinha na
minha lembrança
Um
candieiro vazio
Com uma
tochinha acesa
Representando
a tristeza
Bem na
ponta do pavio.
E, numa
noite de agosto,
Noite
escura e sem luá,
Eu vi
crescer meu desgosto,
Eu vi
crescer meu pená.
Naquela
noite, a criança
Se achava
sem esperança.
E quando
veio o rompê
Da linda e
risonha aurora,
Faltava
bem poucas hora
Pra minha
Nanã morrê.
Por ali
ninguém chegou,
Ninguém
reparou nem viu
Aquela
cena de horrô
Que o rico
nunca assistiu,
Só eu e
minha muié,
Que ainda
cheia de fé
Rezava pro
Pai Eterno,
Dando
suspiro magoado
Com o seu
rosto moiado
Das água
do amô materno.
E,
enquanto nós assistia
A morte da
pequenina,
Na manhã
daquele dia,
Veio um
bando de campina,
De canário
e sabiá
E
começaram a cantá
Um hino
santificado,
Na copa de
um cajueiro
Que havia
bem no terreiro
Do meu
rancho esburacado.
Aqueles
pássaro cantava,
Em louvô
da despedida,
Vendo que
Nanã deixava
As miséria
desta vida.
Pois não
havia recurso,
Já tava
fugindo os pulso.
Naquele
estado mesquinho,
Ia
apressando o cansaço,
Seguindo
pelo compasso
Das música
dos passarinho.
Na sua
pequena boca
Eu vi os
lábio tremendo
E, naquela
aflição louca,
Ela também
conhecendo
Que a vida
tava no fim,
Foi
arregalando pra mim
Os tristes
oinho seu,
Fez um
esforço ai, ai, ai,
E disse:
“abença papai!”
Fechou os
ói e morreu.
Enquanto
finalizava
Seu
momento derradeiro,
Lá fora os
pássaro cantava,
Na copa do
cajueiro.
Em vez de
gemido e chôro,
As ave
cantava em coro.
Era o
bendito perfeito
Da morte
de meu anjinho.
Nunca mais
os passarinho
Cantaram
daquele jeito.
Nanã foi,
naquele dia,
A Jesus
mostrá seu riso
E aumentá
mais a quantia
Dos anjo
do Paraíso.
Na minha imaginação,
Caço e não
acho expressão
Pra dizê
como é que fico.
Pensando
naquele adeus
E a culpa
não é de Deus,
A culpa é
dos home rico.
Morreu no
maió maltrato
Meu amô
lindo e mimoso.
Meu
patrão, aquele ingrato,
Foi o maió
criminoso,
Foi o maió
assassino.
O meu anjo
pequenino
Foi
sacudido no fundo
Do mais
pobre cemitério
E eu hoje
me considero
O mais
pobre deste mundo.
Soluçando,
pensativo,
Sem
consolo e sem assunto,
Eu sinto
que inda tô vivo,
Mas meu
jeito é de defunto.
Envolvido
na tristeza,
No meu
rancho de pobreza,
Toda vez
que eu vou rezá,
Com meus
joêio no chão,
Peço em
minhas oração:
Nanã, venha me buscá!
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