sexta-feira, 7 de fevereiro de 2014

Moradores da casa dos mortos

Na Memória da casa dos mortos Dostoievski descreve as personalidades de diversos personagens. A maioria deles tem em comum o fato de sofrerem numa prisão: durante o dia têm trabalho forçado e à noite os aguardam o inferno; e quase nenhum sairá vivo daquele recinto. Para contrastar com a rudeza dos condenados, o escritor russo encontra lugar para apresentar uma personalidade deveras franciscana, Nastássia Ivânovna, que pela sua bondade lembra a personagem Sonia do Crime e Castigo. Alguns dos tipos para ilustrar a descrição dostoievskiana:

"A sua característica consistia em ... anular a sua personalidade, sempre e em todos os lados, e quase à frente dos outros, e representar nos assuntos comuns um papel não de segunda mas de terceira ordem. Tudo isso era inato neles. Suchílov era um pobre rapaz pacato e humilde, parecia quase um cão que apanhou pancada, não porque alguma vez alguém lhe batesse, o que jamais acontecia, mas era assim, de natural. A mim inspirava-me sempre dó."

"Lembro-me dessa criatura repugnante, como de um fenômeno. Vivi alguns anos com assassinos, com malfeitores repelentes; mas digo convictamente que nunca, até hoje, encontrei na vida uma degradação moral mais completa, uma depravação tão consumada e com tão insolentes baixezas como as que reunia A...v."

"Há na Sibéria, e quase nunca faltam, umas pessoas que se impõem a missão de prestar um auxílio fraternal aos desgraçados e partilhar dos seus sofrimentos, como se fossem todos seus filhos, com absoluto desinteresse e sagrada piedade (...) Na cidade em que ficava o nosso presídio, vivia uma senhora, Nastássia Ivânovna, que era viúva (...) Notava-se apenas, a todos os momentos que era de uma bondade infinita, com um enorme desejo de servir, de animar, de fazer por todos qualquer coisa que lhe pedisse, com o maior agrado."

"Pelo visto Skurátov era um desses homens de bom humor ou, para melhor dizer, apalhaçados, que parecem sentir a obrigação de alegrar os seus companheiros tristes e, é claro, sem receber outra recompensa senão insultos."

"Designavam quase sempre para isso o mesmo indivíduo, durante alguns anos consecutivos, um tal Almázov, homem grave, moreno e pequeno, já entrando em anos, pouco sociável e muito obstinado. Desprezava-nos profundamente. Além disso era tão pouco falador que chegava ate´ao extremo de sentir preguiça para nos ralhar."

"Pietrov (...) Parecia mais novo do que era. Tinha quarenta anos e aparentava apenas trinta (...) Mas, quer falasse quer permanecesse em silêncio, era evidente que estava ali de passagem, que tinha algo que fazer em qualquer parte e que o esperavam. O mais curioso é que ele nunca tinha nada para fazer, absolutamente nada; vivia numa preguiça total..."

"Não conheço caráter mais doce do que o de Baklúnkhin. Não tinha, verdadeiramente, medo dos outros, e até provocava desordens com frequência; não gostava que ninguém se metesse nas suas coisas; em suma: sabia velar pelos seus interesses. Mas as suas zangas duravam pouco e, pelo menos na aparência, todos gostavam dele. Quando entrava, todos o acolhiam com benevolência. Até na cidade o conheciam como o homem mais divertido do mundo e que nunca perdia a boa disposição."

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