Na Memória da casa dos mortos
Dostoievski descreve as personalidades de diversos personagens. A
maioria deles tem em comum o fato de sofrerem numa prisão: durante o dia
têm trabalho forçado e à noite os aguardam o inferno; e quase nenhum
sairá vivo daquele recinto. Para contrastar com a rudeza dos condenados,
o escritor russo encontra lugar para apresentar uma
personalidade deveras franciscana, Nastássia Ivânovna, que pela sua
bondade lembra a personagem Sonia do Crime e Castigo. Alguns dos tipos para ilustrar a descrição dostoievskiana:
"A
sua característica consistia em ... anular a sua personalidade, sempre e
em todos os lados, e quase à frente dos outros, e representar nos
assuntos comuns um papel não de segunda mas de terceira ordem. Tudo isso
era inato neles. Suchílov era um pobre rapaz pacato e humilde, parecia
quase um cão que apanhou pancada, não porque alguma vez alguém lhe
batesse, o que jamais acontecia, mas era assim, de natural. A mim
inspirava-me sempre dó."
"Lembro-me
dessa criatura repugnante, como de um fenômeno. Vivi alguns anos com
assassinos, com malfeitores repelentes; mas digo convictamente que
nunca, até hoje, encontrei na vida uma degradação moral mais completa,
uma depravação tão consumada e com tão insolentes baixezas como as que
reunia A...v."
"Há
na Sibéria, e quase nunca faltam, umas pessoas que se impõem a missão
de prestar um auxílio fraternal aos desgraçados e partilhar dos seus
sofrimentos, como se fossem todos seus filhos, com absoluto desinteresse
e sagrada piedade (...) Na cidade em que ficava o nosso presídio, vivia
uma senhora, Nastássia Ivânovna, que era viúva (...) Notava-se apenas, a
todos os momentos que era de uma bondade infinita, com um enorme desejo
de servir, de animar, de fazer por todos qualquer coisa que lhe
pedisse, com o maior agrado."
"Pelo
visto Skurátov era um desses homens de bom humor ou, para melhor dizer,
apalhaçados, que parecem sentir a obrigação de alegrar os seus
companheiros tristes e, é claro, sem receber outra recompensa senão
insultos."
"Designavam
quase sempre para isso o mesmo indivíduo, durante alguns anos
consecutivos, um tal Almázov, homem grave, moreno e pequeno, já entrando
em anos, pouco sociável e muito obstinado. Desprezava-nos
profundamente. Além disso era tão pouco falador que chegava ate´ao
extremo de sentir preguiça para nos ralhar."
"Pietrov
(...) Parecia mais novo do que era. Tinha quarenta anos e aparentava
apenas trinta (...) Mas, quer falasse quer permanecesse em silêncio, era
evidente que estava ali de passagem, que tinha algo que fazer em
qualquer parte e que o esperavam. O mais curioso é que ele nunca tinha
nada para fazer, absolutamente nada; vivia numa preguiça total..."
"Não
conheço caráter mais doce do que o de Baklúnkhin. Não tinha,
verdadeiramente, medo dos outros, e até provocava desordens com
frequência; não gostava que ninguém se metesse nas suas coisas; em suma:
sabia velar pelos seus interesses. Mas as suas zangas duravam pouco e,
pelo menos na aparência, todos gostavam dele. Quando entrava, todos o
acolhiam com benevolência. Até na cidade o conheciam como o homem mais
divertido do mundo e que nunca perdia a boa disposição."
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