quinta-feira, 6 de fevereiro de 2014

Dama de Anton

"A dama do cachorrinho" é um belo conto do escritor russo Anton Tchékhov (1860 - 1904). Por causa de um encontro quase casual de duas figuras bastante comuns, imersas em vidas absolutamente normais - semelhantes ao de milhares de outras pessoas - os personagens principais da história vão lutar contra o cotidiano esmagador e tentar transcendê-lo. Tentativa, sabe-se bem.

"Certa vez, à noite, saindo do clube dos doutores na companhia de um funcionário público, seu parceiro no jogo, ele não se conteve e disse:
- Se o senhor tivesse ideia da mulher fascinante que conheci em Ialta!
O funcionário sentou-se no trenó e partiu, mas de repente virou-se e gritou:
- Dmitri Dmitritch!
- O quê?
- O senhor estava certo hoje cedo. O esturjão estava estragado.
De repente, essas palavras, tão comuns, por algum motivo deixaram Gúrov indignado e lhe pareceram humilhantes, impuras. Que costumes selvagens, que caras! Que noites sem sentido, que dias desinteressantes, sem nada de importante! Frenéticos jogos de cartas, comilança, bebedeira, conversas sobre o mesmo assunto. Essas atividades inúteis e as discussões consumiam as melhores parcelas do tempo, as melhores forças, e, no final, restava uma vida limitada, prosaica, uma idiotice, mas sair dela, fugir, era impossível, como se a pessoa estivesse trancada num hospício ou numa penitenciária!
Gúrov não dormiu aquela noite, indignado, e depois passou o dia inteiro com dor de cabeça. Nas noites seguintes também dormiu mal, ficava sentado o tempo todo na cama, pensando, ou caminhava de um lado para o outro. As crianças o entediavam, o banco também, não queria ir a lugar nenhum nem conversar sobre nada."

Nenhum comentário:

Postar um comentário