"A dama do cachorrinho" é um belo
conto do escritor russo Anton Tchékhov (1860 - 1904). Por causa de um
encontro quase casual de duas figuras bastante comuns, imersas em vidas
absolutamente normais - semelhantes ao de milhares de outras pessoas -
os personagens principais da história vão lutar contra o cotidiano
esmagador e tentar transcendê-lo. Tentativa, sabe-se bem.
"Certa
vez, à noite, saindo do clube dos doutores na companhia de um
funcionário público, seu parceiro no jogo, ele não se conteve e disse:
- Se o senhor tivesse ideia da mulher fascinante que conheci em Ialta!
O funcionário sentou-se no trenó e partiu, mas de repente virou-se e gritou:
- Dmitri Dmitritch!
- O quê?
- O senhor estava certo hoje cedo. O esturjão estava estragado.
De
repente, essas palavras, tão comuns, por algum motivo deixaram Gúrov
indignado e lhe pareceram humilhantes, impuras. Que costumes selvagens,
que caras! Que noites sem sentido, que dias desinteressantes, sem nada
de importante! Frenéticos jogos de cartas, comilança, bebedeira,
conversas sobre o mesmo assunto. Essas atividades inúteis e as
discussões consumiam as melhores parcelas do tempo, as melhores forças,
e, no final, restava uma vida limitada, prosaica, uma idiotice, mas sair
dela, fugir, era impossível, como se a pessoa estivesse trancada num
hospício ou numa penitenciária!
Gúrov
não dormiu aquela noite, indignado, e depois passou o dia inteiro com
dor de cabeça. Nas noites seguintes também dormiu mal, ficava sentado o
tempo todo na cama, pensando, ou caminhava de um lado para o outro. As
crianças o entediavam, o banco também, não queria ir a lugar nenhum nem
conversar sobre nada."
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