sexta-feira, 7 de fevereiro de 2014

Severino se apresenta

João Cabral de Melo Neto no poema 'Morte e Vida Severina' faz uma bela abordagem do problema da pobreza de um retirante, que sai do interior em direção a uma capital do Nordeste. O latifúndio e todas as consequências funestas para a grande maioria da população são aqui mostrados sem nehum disfarce. Viaja-se no poema por entre trilhas secas e percebe-se que a vida ainda é consumida nas grandes capitanias hereditárias, velhas e modernas, que excluem, expulsam, humilham, maltratam e matam. Abaixo reproduzimos o início deste belo poema do mestre pernambucano.

— O meu nome é Severino, / como não tenho outro de pia ./ Como há muitos Severinos, / que é santo de romaria, / deram então de me chamar / Severino de Maria  / como há muitos Severinos / com mães chamadas Maria, / fiquei sendo o da Maria / do finado Zacarias.  

Mais isso ainda diz pouco: / há muitos na freguesia, / por causa de um coronel / que se chamou Zacarias / e que foi o mais antigo / senhor desta sesmaria. / Como então dizer quem falo / ora a Vossas Senhorias? / Vejamos: é o Severino / da Maria do Zacarias, / lá da serra da Costela, / limites da Paraíba.
   
Mas isso ainda diz pouco: / se ao menos mais cinco havia / com nome de Severino / filhos de tantas Marias / mulheres de outros tantos, / já finados, Zacarias, / vivendo na mesma serra / magra e ossuda em que eu vivia.

Somos muitos Severinos / iguais em tudo na vida: / na mesma cabeça grande / que a custo é que se equilibra, / no mesmo ventre crescido / sobre as mesmas pernas finas / e iguais também porque o sangue, / que usamos tem pouca tinta.
 
E se somos Severinos / iguais em tudo na vida, / morremos de morte igual, / mesma morte severina: / que é a morte de que se morre / de velhice antes dos trinta, / de emboscada antes dos vinte / de fome um pouco por dia / (de fraqueza e de doença / é que a morte severina / ataca em qualquer idade, / e até gente não nascida). / Somos muitos Severinos / iguais em tudo e na sina: / a de abrandar estas pedras / suando-se muito em cima, / a de tentar despertar / terra sempre mais extinta, / a de querer arrancar / alguns roçado da cinza. / Mas, para que me conheçam / melhor Vossas Senhorias / e melhor possam seguir / a história de minha vida, / passo a ser o Severino / que em vossa presença emigra.

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