João
Cabral de Melo Neto no poema 'Morte e Vida Severina' faz uma bela
abordagem do problema da pobreza de um retirante, que sai do interior em
direção a uma capital do Nordeste. O latifúndio e todas as
consequências funestas para a grande maioria da população são aqui
mostrados sem nehum disfarce. Viaja-se no poema por entre trilhas secas e
percebe-se que a vida ainda é consumida nas grandes capitanias
hereditárias, velhas e modernas, que excluem, expulsam, humilham,
maltratam e matam. Abaixo reproduzimos o início deste belo poema do
mestre pernambucano.
—
O meu nome é Severino, / como não tenho outro de pia ./ Como há muitos
Severinos, / que é santo de romaria, / deram então de me chamar /
Severino de Maria / como há muitos Severinos / com mães chamadas Maria,
/ fiquei sendo o da Maria / do finado Zacarias.
Mais isso ainda diz pouco: / há muitos na freguesia, / por causa de um coronel / que se chamou Zacarias / e que foi o mais antigo / senhor desta sesmaria. / Como então dizer quem falo / ora a Vossas Senhorias? / Vejamos: é o Severino / da Maria do Zacarias, / lá da serra da Costela, / limites da Paraíba.
Mas
isso ainda diz pouco: / se ao menos mais cinco havia / com nome de
Severino / filhos de tantas Marias / mulheres de outros tantos, / já
finados, Zacarias, / vivendo na mesma serra / magra e ossuda em que eu
vivia.
Somos
muitos Severinos / iguais em tudo na vida: / na mesma cabeça grande /
que a custo é que se equilibra, / no mesmo ventre crescido / sobre as
mesmas pernas finas / e iguais também porque o sangue, / que usamos tem
pouca tinta.
E
se somos Severinos / iguais em tudo na vida, / morremos de morte igual,
/ mesma morte severina: / que é a morte de que se morre / de velhice
antes dos trinta, / de emboscada antes dos vinte / de fome um pouco por
dia / (de fraqueza e de doença / é que a morte severina / ataca em
qualquer idade, / e até gente não nascida). / Somos muitos Severinos /
iguais em tudo e na sina: / a de abrandar estas pedras / suando-se muito
em cima, / a de tentar despertar / terra sempre mais extinta, / a de
querer arrancar / alguns roçado da cinza. / Mas, para que me conheçam /
melhor Vossas Senhorias / e melhor possam seguir / a história de minha
vida, / passo a ser o Severino / que em vossa presença emigra.
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