sexta-feira, 7 de fevereiro de 2014

Quatro poetas franceses

Num lugar lúgubre, uma carniça jaz sob uma mesa verde, quatro homens conversam à luz de velas sob o olhar atento de um corvo assombroso... Bate à porta uma vendedora de roupas. Alguém diz: "Entra".



O Albatroz / Charles Baudelaire

Às vezes, por prazer, os homens de equipagem
Pegam um albatroz, enorme ave marinha,
Que segue, companheiro indolente de viagem,
O navio que sobre os abismos caminha.

Mal o põem no convés por sobre as pranchas rasas,
Esse senhor do azul, sem jeito e envergonhado,
Deixa doridamente as grandes e alvas asas
Como remos cair e arrastar-se a seu lado.

Que sem graça é o viajor alado sem seu nimbo!
Ave tão bela, como está cômica e feia!
Um o irrita chegando ao seu bico em cachimbo,
Outro põe-se a imitar o enfermo que coxeia!

O poeta é semelhante ao príncipe da altura
Que busca a tempestade e ri da flecha no ar;
Exilado no chão, em meio à corja impura,
As asas de gigante impedem-no de andar.

Delírios II Alquimia do Verbo / Arthur Rimbaud 

Para mim. A história das minhas loucu-
ras.    Há muito me gabava de possuir todas as
paisagens possíveis, e julgava irrisórias as celebridades
da pintura e da poesia mo-
derna.     Gostava das pinturas idiotas, em por-
tas,  decorações, telas circenses, placas, iluminuras populares;
a literatura fora de moda, o latim da igreja,
livros eróticos sem ortografia,
romances de nossos antepassa-
dos, contos de fadas, pequenos livros in-
fantis, velhas óperas, estribilhos ingênuos,
rítmos ingênuos.      Sonhava  com as cruzadas,
viagens de descobertas de que não existem relatos, re-
públicas sem histórias, guerras de religião esmagadas,
revoluções de costumes, des-
locamentos de raças e continentes: acredi-
tava em todas as magias.      Inventava a cor das vogais!
- negro E branco, I vermelho, O azul, U ver-
de. Regulava a forma e o movimento de cada consoante, e,
com ritmos institivos, me vangloriava de 
ter inventado um verbo poético acessível, um dia ou outro,
a todos os sentidos. Era comigo traduzí-los.
Foi primeiro um experimento. Escre-
via silêncios, noites, anotava o inexprimível.
Fixava vertigens. 
(Tradução de Paulo Hecker Filho)

Aparição / Stéphane Mallarmé

A lua estava triste. Arcanjos sonhadores
Em pranto, o arco nas mãos, no sossego das flores
Aéreas, vinham tirar de evanescentes violas
Alvos ais resvalando entre o azul das corolas.
– Era o dia feliz de teu primeiro beijo.
Para me torturar, meu sonho, meu desejo
Embriagavam-se bem do perfume de queixa
Que mesmo sem remorso e sem motivo deixa,
No coração que o colhe, a colheita de um sonho.
Eu ia à toa, o olhar no chão velho e tristonho,
Quando trazendo nos cabelos um sol lindo,
Na alameda e na tarde apareceste rindo.
E eu julguei ver, com seu chapéu de luz, a fada
Que nos meus sonhos bons de criança mimada
Sempre deixou nevar dentre as mãos mal fechadas
Punhados celestiais de estrelas perfumadas.

O amor no chão / Paul Verlaine

O vento da outra noite derrubou o Amor
Que, no mais misterioso recanto do parque,
Nos sorria, ao esticar malignamente o arco,
E cujo ar nos fez meditar com fervor!

O vento da outra noite derrubou-o! O mármore
com o sopro da manhã, disperso, gira. É triste
Olhar o pedestal, onde o nome do artista
Se lê com muito esforço à sombra de uma árvore,

É triste ver em pé, sozinho, o pedestal!
Melancólicos vêm e vão pensamentos
No meu sonho, onde o mais profundo sofrimento
Evoca um solitário futuro fatal.

É triste! — E mesmo tu, não é? ficas tocada
Plo cenário dolente, embora te divirtas
Com a borboleta rubra e de oiro, que se agita
Sobre a alameda, além, de destroços juncada.


(Tradução de Fernando Pinto do Amaral)

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