sexta-feira, 7 de fevereiro de 2014

As casas

As casas já foram descritas por centenas de escritores de inúmeras formas diferentes. Em algumas vezes a casa é o pano de fundo para o desenrolar dos acontecimentos, muitas vezes é  nela em que a história vai se desenvolver completamente, e em outras vezes ela é a própria história, como no romance de Natércia Campos. Abaixo, dois pequenos parágrafos que iniciam os romances A Casa, de Natércia Campos, e Os Maias, de Eça de Queirós. Dois momentos de belas descrições.

Início de A Casa, de Natércia Campos

Fui feita com esmero, contaram os ventos, antes que eu mesma dessa verdade tomasse tento. Meu embasamento, desde as pedras brutas quebradas pelos homens a marrão aos baldrames ensamblados nos esteios, deu-me solidez. As madeiras de lei duras e pesadas com que me construíram até a cumeeira têm o cerne de ferro, de veios escuros, violáceos e algumas mal podiam ser lavradas. Todas elas foram cortadas na lua minguante para não virem a apodrecer e resistirem, mesmo expostas ao tempo: o estipe das carnaúbas, os troncos do jucá, os da ibiraúna, a braúna, madeira preta dos índios fechada à umidade por ser impregnada de resinas e tanino. Usaram o pau-d´arco rígido e flexível, daí sua força nos vigamentos e arcos indígenas; as linhas foram feitas da aroeira-do-sertão – a árvore da arara, onde esta pousa e vive –, do angico de raias castanho-negro de tronco rugoso parecendo trazer nele incrustadas pequeninas ostras, do sabiá-piúga de casca da cor da plumagem desse pássaro. Das chapadas profundas do sertão veio o pau-branco, de tronco da cor de prata acinzentada a clarear a mata onde vive o oloroso, preservado e incorruptível cedro de porte nobre.”

Início de Os Maias, de Eça de Queirós

A casa que os Maias vieram habitar em Lisboa, no Outono de 1875, era conhecida na vizinhança da rua de S. Francisco de Paula, e em todo o bairro das Janelas Verdes, pela casa do Ramalhete ou simplesmente o Ramalhete. Apesar deste fresco nome de vivenda campestre, o Ramalhete, sombrio casarão de paredes severas, com um renque de estreitas varandas de ferro no primeiro andar, e por cima uma tímida fila de janelinhas abrigadas à beira do telhado, tinha o aspecto tristonho de Residência Eclesiástica que competia a uma edificação do reinado da senhora D. Maria I: com uma sineta e com uma cruz no topo assemelhar-se-ia a um Colégio de Jesuítas. O nome de Ramalhete provinha de certo de um revestimento quadrado de azulejos fazendo painel no lugar heráldico do Escudo de Armas, que nunca chegara a ser colocado, e representando um grande ramo de girassóis atado por uma fita onde se distinguiam letras e números de uma data.”

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