As casas já foram descritas por
centenas de escritores de inúmeras formas diferentes. Em algumas vezes a
casa é o pano de fundo para o desenrolar dos acontecimentos, muitas
vezes é nela em que a história vai se desenvolver completamente, e em
outras vezes ela é a própria história, como no romance de Natércia
Campos. Abaixo, dois pequenos parágrafos que iniciam os romances A Casa, de Natércia Campos, e Os Maias, de Eça de Queirós. Dois momentos de belas descrições.
Início de A Casa, de Natércia Campos
“Fui feita com esmero, contaram os ventos,
antes que eu mesma dessa verdade tomasse tento. Meu embasamento, desde as
pedras brutas quebradas pelos homens a marrão aos baldrames ensamblados nos
esteios, deu-me solidez. As madeiras de lei duras e pesadas com que me
construíram até a cumeeira têm o cerne de ferro, de veios escuros, violáceos e
algumas mal podiam ser lavradas. Todas elas foram cortadas na lua minguante
para não virem a apodrecer e resistirem, mesmo expostas ao tempo: o estipe das
carnaúbas, os troncos do jucá, os da ibiraúna, a braúna, madeira preta dos
índios fechada à umidade por ser impregnada de resinas e tanino. Usaram o
pau-d´arco rígido e flexível, daí sua força nos vigamentos e arcos indígenas;
as linhas foram feitas da aroeira-do-sertão – a árvore da arara, onde esta
pousa e vive –, do angico de raias castanho-negro de tronco rugoso parecendo
trazer nele incrustadas pequeninas ostras, do sabiá-piúga de casca da cor da
plumagem desse pássaro. Das chapadas profundas do sertão veio o pau-branco, de
tronco da cor de prata acinzentada a clarear a mata onde vive o oloroso,
preservado e incorruptível cedro de porte nobre.”
Início de Os Maias, de
Eça de Queirós
“A casa que os Maias vieram habitar em Lisboa, no Outono de 1875, era
conhecida na vizinhança da rua de S. Francisco de Paula, e em todo o bairro das
Janelas Verdes, pela casa do Ramalhete ou simplesmente o Ramalhete. Apesar
deste fresco nome de vivenda campestre, o Ramalhete, sombrio casarão de paredes
severas, com um renque de estreitas varandas de ferro no primeiro andar, e por
cima uma tímida fila de janelinhas abrigadas à beira do telhado, tinha o
aspecto tristonho de Residência Eclesiástica que competia a uma edificação do
reinado da senhora D. Maria I: com uma sineta e com uma cruz no topo assemelhar-se-ia
a um Colégio de Jesuítas. O nome de Ramalhete provinha de certo de um
revestimento quadrado de azulejos fazendo painel no lugar heráldico do Escudo de
Armas, que nunca chegara a ser colocado, e representando um grande ramo de
girassóis atado por uma fita onde se distinguiam letras e números de uma data.”
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