terça-feira, 21 de janeiro de 2014

A caminho de Balbec

Proust conseguiu expressar os sentimentos e as sensações vividas como poucos escritores o fizeram. Como conseguiu ele captar aquele sentimento que pensávamos fosse absolutamente particular e único? Quem já não teve a experiência, como tive a sorte de tê-la, há muito tempo, num lugar distante, enquanto viajava de trem; ele parar numa estação humilde de um vilarejo cujo nome não me ficou na memória. Lá, parada, olhando para o trem, vislumbrei uma bela moça que talvez esperasse um conhecido (um amigo, a mãe, o esposo?). E os pensamentos e impressões que tive foram captados quase na sua totalidade pelo grande Proust quase um século antes. Mais uma extraordinária página da literatura universal.

 
A paisagem tornou-se acidentada, abrupta, o trem parou numa estaçãozinha entre duas montanhas. Ao fundo da garganta, à margem da correnteza, não se via mais que uma casa de guarda metida na água que corria abaixo das janelas. E se é possível que determinada terra produza um ser em que se possa gozar o particular encanto dela, essa criatura devia ser, mais ainda do que a camponesa cujo aparecimento eu tanto desejara quando vagava sozinho para as bandas de Méséglise, nos bosques de Roussainville, aquela rapariga alta que vi sair da casa e encaminhar-se para a estação com o seu cântaro de leite, no caminho iluminado obliquamente pelo sol levante. No seio daquele vale, entre aquelas alturas que lhe ocultavam o resto do mundo, a rapariga não devia ver outras pessoas senão as que iam nos trens que ali paravam um momento. Andou ao longo do trem, oferecendo café com leite aos poucos viajantes acordados. Seu rosto, colorido pelos reflexos matinais, era mais rosado que o céu. Senti ao vê-la esse desejo de viver que em nós renasce cada vez que recuperamos a consciência da felicidade e da beleza. (...) Deliciosa me pareceria a vida se ao menos eu pudesse, hora por hora, passá-la com ela, acompanhá-la até o rio, até a vaca, até o trem, estar sempre ao seu lado, sentir-me conhecido dela, tendo o meu lugar no seu pensamento. Ela me iniciaria nos encantos da vida rústica e das primeiras horas do dia. (...) Para ter a doçura de sentir-me ao menos ligado a essa vida, bastaria que eu morasse bastante próximo da estaçãozinha para vir todas as manhãs pedir café com leite àquela camponesa.”

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