Proust
conseguiu expressar os sentimentos e as sensações vividas como poucos
escritores o fizeram. Como conseguiu ele captar aquele sentimento que
pensávamos fosse absolutamente particular e único? Quem já não teve a
experiência, como tive a sorte de tê-la, há muito tempo, num lugar
distante, enquanto viajava de trem; ele parar numa estação humilde de um
vilarejo cujo nome não me ficou na memória. Lá, parada, olhando para o
trem, vislumbrei uma bela moça que talvez esperasse um conhecido (um
amigo, a mãe, o esposo?). E os pensamentos e impressões que tive foram
captados quase na sua totalidade pelo grande Proust quase um século
antes. Mais uma extraordinária página da literatura universal.
“A
paisagem tornou-se acidentada, abrupta, o trem parou numa estaçãozinha
entre duas montanhas. Ao fundo da garganta, à margem da correnteza, não
se via mais que uma casa de guarda metida na água que corria abaixo das
janelas. E se é possível que determinada terra produza um ser em que se
possa gozar o particular encanto dela, essa criatura devia ser, mais
ainda do que a camponesa cujo aparecimento eu tanto desejara quando
vagava sozinho para as bandas de Méséglise, nos bosques de
Roussainville, aquela rapariga alta que vi sair da casa e encaminhar-se
para a estação com o seu cântaro de leite, no caminho iluminado
obliquamente pelo sol levante. No seio daquele vale, entre aquelas
alturas que lhe ocultavam o resto do mundo, a rapariga não devia ver
outras pessoas senão as que iam nos trens que ali paravam um momento.
Andou ao longo do trem, oferecendo café com leite aos poucos viajantes
acordados. Seu rosto, colorido pelos reflexos matinais, era mais rosado
que o céu. Senti ao vê-la esse desejo de viver que em nós renasce cada
vez que recuperamos a consciência da felicidade e da beleza. (...)
Deliciosa me pareceria a vida se ao menos eu pudesse, hora por hora,
passá-la com ela, acompanhá-la até o rio, até a vaca, até o trem, estar
sempre ao seu lado, sentir-me conhecido dela, tendo o meu lugar no seu
pensamento. Ela me iniciaria nos encantos da vida rústica e das
primeiras horas do dia. (...) Para ter a doçura de sentir-me ao menos
ligado a essa vida, bastaria que eu morasse bastante próximo da
estaçãozinha para vir todas as manhãs pedir café com leite àquela
camponesa.”
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