sexta-feira, 31 de janeiro de 2014

A nobreza do perdão

Proust também explora o perdão, olhando o caso da Duquesa de Guermantes com o jovem Marcel, que numa época passada a perseguia diariamente nas ruas de Paris durante o seu passeio matinal. Pequena passagem do "O caminho de Guermantes" do "Em busca do tempo perdido", na primorosa tradução de Mário Quintana;

"Para terminar, direi que, sob certo ponto de vista, havia na Sra. de Guermantes uma verdadeira grandeza, que consistia em apagar por inteiro tudo o que outras só teriam esquecido incompletamente. Mesmo que nunca me houvesse encontrado a espiá-la, a acossá-la, a seguir-lhe a pista em seus passeios matinais, mesmo que nunca houvesse respondido à minha saudação cotidiana com uma impaciência irritada, mesmo que nunca houvesse mandado Saint-Loup passear quando rogara que me convidasse, não poderia ela ter comigo maneiras mais nobremente e mais naturalmente amáveis. Não só não se demorava em explicações retrospectivas, em meias-palavras, em sorrisos ambíguos, em subentendidos, não só mostrava na sua afabilidade atual, sem retrocessos, sem reticências, algo de tão altivamente retilíneo como a sua majestosa estatura, mas as queixas que podia ter tido contra alguém no passado estavam tão inteiramente reduzidas a cinzas, e essas próprias cinzas eram lançadas tão longe da sua memória ou pelo menos da sua maneira de ser, que ao ver seu rosto de cada vez em que tinha ela de tratar com a mais belas das simplificações o que em tantos outros seria pretexto a resquícios de frieza, a recriminações, parecia a gente assistir a uma espécie de purificação."

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