domingo, 19 de janeiro de 2014

Caminhos: Swann e Guermantes

Na pequena Combray, o pequeno Marcel e seus pais tinham opção de fazer caminhadas vespertinas em dois caminhos diametralmente opostos: um era o caminho que levava a Méséglise, conhecido como o caminho de Swann; o outro, era o caminho de Guermantes. Nunca se fazia o passeio no mesmo dia pelos dois caminhos. Eles eram, de certa forma, complementares. O primeiro vai marcar a infância do personagem; o segundo vai estar indissociavelmente ligado à sua adolescência. E os dois caminhos, além disso, simbolizam as possibilidades abertas ao viajante ao chegar à bifurcação. Proust assim os descreve:

"Pois havia nas vizinhanças de Combray dois 'lados' para os passeios, e tão opostos que não saíamos com efeito pelo mesmo portão, quando queríamos ir para um lado ou outro: o lado de Méséglise-la-Vineuse, também chamado o lado de Swann, porque se passava pela propriedade do Sr. Swann quando íamos para aquelas bands, e o lado de Guermantes. (...) De Guermantes, eu viria um dia a saber muito mais, mas isso dali a anos e durante toda a minha adolescência, se Méséglise era para mim qualquer coisa de inacessível como o horizonte, oculto à vista, por mais longe que se fosse, pelos acidentes de um terreno que já não se assemelhava ao de Combray, Guermantes sempre me apareceu com um termo antes ideal que real de seu próprio 'lado', uma espécie de expressão geográfica abstrata como a linha do equador, como os pólos, como o oriente. (...) Visto que meu pai falava sempre do lado de Méséglise como da mais bela vista da planície que conhecia e do lado de Guermantes como da paisagem típica de rio, eu lhes dava, concebendo-os assim como duas entidades, essa coesão e unidade que só pertencem às criações de nosso espírito; a mínima parcela de cada um me parecia preciosa e cheia de sua peculiar excelência, ao passo que, em comparação com eles, antes que se chegasse ao solo sagrado de um ou outro, os caminhos em cujo fim se achavam pousados como o ideal da vista de planície e o ideal da paisagem de rio não valiam a pena de ser vistos, como para o espectador apaixonado de arte dramática as ruas que conduzem ao teatro. (...) E essa demarcação ainda se tornava mais absoluta, porque aquele hábito que tínhamos de nunca ir para os dois lados no mesmo dia, em um único passeio, mas uma vez do lado de Méséglise, outra vez do lado de Guermantes, encerrava-os por assim dizer longe um do outro, e sem poder-se conhecer, nos vasos herméticos e incomunicáveis de tarde diferentes."

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