domingo, 19 de janeiro de 2014

O efêmero que sobrevive

Proust, em outro momento de grande inspiração, consegue apreender uma faceta da realidade bastante cara à maioria das pessoas. Expressando-se através do personagem Marcel no primeiro volume de Em busca do tempo perdido, ele fala do efêmero que sobrevive por vários anos e das recordações que o tempo faz desaparecer impiedosa e inexoravelmente para sempre. 

"As flores que então brincavam na relva, a água que passava ao sol, toda a paisagem que cercou seu aparecimento continua a acompanhar a lembrança delas com sua face inconsciente ou distraída; e por certo, quando eram longamente contemplados por aquele humilde passante, aquele menino pensativo - como é contemplado um rei por um memorialista perdido na multidão -, aquele recanto de natureza, aquele trecho de jardim jamais poderiam pensar que graças a ele é que seriam chamados a sobreviver em suas particularidades mais efêmeras; e no entanto aquele perfume de pilriteiro que vagueia ao longo da sebe onde em breve o substituirão as roseiras bravas, um rumor de passos sem eco na areia de uma alameda, uma bolha formada contra uma planta aquática pela água do rio e que logo rebenta, minha imaginação os carregou e os fez atravessar tantos anos sucessivos, ao passo que em torno desapareceram os caminhos e estão mortos aqueles que os pisaram, e a lembrança daqueles que o pisaram."

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