O
menino Marcel, que lia livros de aventuras durante as tardes de verão
sob o castanheiro, envelheceu. Num determinado momento ele tenta
lembrar-se da Combray e da Paris daqueles tempos passados. Mas as
cidades conhecidas não mais existem. O progresso as transformou e agora
para visitá-las, apenas viajando pela memória. Assim nos conta Proust em
dois momentos de grande literatura:
“ (...) rua
tão estranha como seu nome, de que me pareciam derivar suas
particularidades curiosas e sua personalidade rebarbativa e que em vão
procuraríamos na Combray de hoje, porque no lugar que ocupava se ergue
atualmente uma escola. Mas minha imaginação não deixa de pé uma só pedra
da nova construção, e abre e ´restitui´ a rua de Perchamps. Para essas
reconstituições, ela dispõe aliás de dados mais precisos do que aqueles
que têm em geral os restauradores: algumas imagens conservadas em minha
memória, as últimas talvez que ainda existam atualmente e destinadas em
breve a sumir-se, do que era Combray do tempo de minha infância.”
“Eu
desejaria encontrá-los tais como as recordava. (...) Aliás, agora, só
muito tarde se regressava a Paris. A sra. Swann ter-me-ia respondido, de
um castelo, que só voltaria em fevereiro, muito depois do tempo dos
crisântemos, caso lhe tivesse eu pedido que reconstituísse para mim os
elementos daquela recordação que sentia ligada a um ano longínquo, a de
milésimo ao qual não me era dado remontar, os elementos daquele desejo
que por sua vez se tornara inacessível como o prazer que outros
perseguira em vão. E
também seria preciso que fossem as mesmas mulheres, aquelas cujas
toaletes me interessavam, porque, no tempo em que eu ainda tinha crença,
minha imaginação as tinha individualizado e cercado de uma lenda. Ai!
Na avenida das Acácias – a alameda dos Mirtos – tornei a ver algumas,
velhas, que não eram mais do que as sombras terríveis do que tinham
sido, errantes, a procurar desesperadamente não se sabia o quê, pelos
bosque virgilianos. (...) grandes pássaro cruzavam rapidamente o Bosque,
como a um bosque, e soltando gritos agudos, pousavam um após outro nos
grandes carvalhos que, sob a sua coroa druídica e com uma majestade
dodônea, pareciam proclamar o vazio inumano da floresta desapropriada, e
me ajudavam a melhor compreender a contradição que existe em procurar
na realidade os quadros da memória, aos quais faltaria sempre o encanto
que lhes vem da própria memória e de não serem percebidos pelos
sentidos. A realidade que eu conhecera não mais existia. Bastava que a
sra. Swann não chegasse exatamente igual e no mesmo momento que antes,
para que a avenida fosse outra. Os lugares que conhecemos não pertencem
tampouco ao mundo do espaço, onde os situamos para maior facilidade. Não
eram mais que uma delgada fatia no meio de impressões contíguas que
formavam a nossa vida de então; a recordação de certa imagem não é senão
saudade de certo instante; e as casas, os caminhos, as avenidas são
fugitivos, infelizmente, como os anos.”
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