sexta-feira, 31 de janeiro de 2014

Homero: um gigante passou pela Terra...

A Ilíada, do poeta grego Homero, conta a história da guerra de Tróia, que ocorreu entre gregos e troianos. A confusão, na verdade, começou numa festa no Olimpo, onde os deuses se divertiam. Por não ter sido convidada por razões óbvias, a deusa da discórdia, Éris, jogou uma maçã de ouro sobre a mesa dos convidados com a inscrição: “para a mais bela”. Como as deusas Hera, Atena e Afrodite eram muito vaidosas, imaginaram que a maçã fosse para cada uma delas e então começou uma confusão. Para descobrirem quem era a mais bela fizeram como juiz um simples pastor, Páris, que era filho do rei Príamo, de Tróia (apesar de ser príncipe fora deixado no bosque porque havia uma profecia que dizia que ele destruiria Tróia). Ao mesmo tempo, temendo perderem, as três deusas tentaram suborná-lo prometendo grandes tesouros se o veredito fosse favorável. Atena ofereceu a Páris a vitória numa guerra épica. Hera prometeu que ele seria o imperador de toda a Europa e Ásia. Finalmente, Afrodite prometeu o amor da mais bela mulher do mundo. Páris escolheu a última opção. Afrodite, então, ajudou Páris a fugir com Helena, que era casada com Menelau, para a cidade de Tróia. Entretanto, o marido traído, não ficou nem um pouco contente e convenceu o seu irmão, Agamenon, líder grego, a formar um exército e invadir Tróia. Nesse ponto começa o enredo da Ilíada. Acontecem várias batalhas, numa das quais o herói grego Aquiles mata o grande guerreiro troiano, Heitor, que era irmão de Páris e filho de Príamo. É nesse momento da história que Príamo, vendo o corpo de seu filho sem vida, diz a famosa frase: “Acho que vivi uma dia a mais do que deveria ter vivido.” A guerra é muito violenta, e longa, dura dez anos. Mas à medida que os atores vão aparecendo, Homero descreve com muita beleza a história dos personagens, que quase invariavelmente vão terminar com uma lança ou uma flecha atravessando os seus corpos. Quando a guerra caminhava para um final sem vencedor, Odisseu (ou Ulisses) planejou a construção de um imenso cavalo de madeira para dar aos troianos como felicitação pela vitória. Os troianos aceitaram o presente e o colocaram dentro das muralhas da cidade. Só que no interior do presente encontravam-se os soldados gregos que, durante a noite, enquanto os troianos dormiam, saíram do equino de madeira e dizimaram os troianos. Desta forma se cumpria a profecia de que Páris destruiria Tróia. Mas neste embate final Páris ainda conseguiu acertar uma flecha no calcanhar de Aquiles, o seu único ponto vulnerável, matando-o e se vingando do irmão. De Tróia, então, ficaram apenas as ruínas, mas da guerra ficou o relato memorável de Homero. Aqui vale a pena citar o comentário de Haroldo de Campos, um dos tradutores do poema grego para o português do Brasil: “Homero não decai; a Ilíada não tem recheio. Oscila entre o Pico das Agulhas Negras e o Himalaia.” Talvez Haroldo de Campos pretendesse dizer que nos momentos menos inspirados, o gigante Homero ainda encontra-se nas alturas, quase inatingível pelos pobres mortais. Abaixo, a reprodução de um pequeno trecho da obra, que está disponível na grande rede.

A ira, Deusa, celebra do Peleio Aquiles,
o irado desvario, que aos Aqueus tantas penas
trouxe, e incontáveis almas arrojou no Hades
de valentes, de heróis, espólio para os cães,
pasto de aves rapaces: fez-se a lei de Zeus;
desde que por primeiro a discórdia apartou
o Atreide, chefe de homens, e o divino Aquiles.
Que Deus, posto entre ambos, provocou a rixa?
O filho de Latona e Zeus. Irou-o o rei.
A peste então lavrou no exército: ruína
cai sobre o povo! A Crises ultrajara o Atreide,
ao sacerdote, o qual viera até as naus
velozes dos Aqueus remir com dons a filha,
nas mãos portando os nastros do certeiro Apolo
presos ao cetro de ouro e a todos implorava,
mormente aos dois Atreides, comandantes de homens:
"Atreides e outros mais Aqueus de belas cnêmides,
que a vós os deuses dêem, habitantes do Olimpo,
derruída a priâmea urbe, um bom retorno à casa;
mas a filha querida resgatai-me, e os dons
guardai, temendo Apolo, deus flechicerteiro"
Então, uniconcordes, os Aqueus clamaram:
"Se atenda o sacerdote e as galas do resgate
se aceitem!" nisse não, Agamêmnon, o Atreide.
Brutal, refuga o velho com palavras duras:
"Que eu nunca mais te aviste junto às naves côncavas,
agora demorando ou de volta, mais tarde.
Inúteis o teu cetro e esses nastros divinos,
nunca a libertarei, até que fique velha
em Argos, no meu paço, além, longe da pátria,
nos trabalhos do tear, ou servindo-me ao leito.
Foge da minha ira, vai-te, põe-te a salvo".
Findou a fala e o ancião retrocedeu medroso,
mudo, ao longo do mar de políssonas praias.
Depois, já muito longe, ao senhorio de Apolo
orou, ao filho de Latona, belas tranças:
"Ouve-me, Arcoargênteo, protetor de Crisa
e de Cila sagrada, Esmínteo, rei de Tênedos.
Se o templo que te ergui merece teu favor,
se coxas gordurosas te queimei de touros
e de gordas ovelhas, cumpre meu desejo:
faze os Dânaos pagar meu pranto com tuas flechas!"
súplice assim falou. Ouviu-o Febo Apolo.
Baixou do alto do Olimpo, coração colérico,
levando aos ombros o arco e a aljava bem fechada.
À espádua do Iracundo retiniam flechas,
enquanto o deus movia-se, ícone da noite.
Sentou longe das naus: então dispara a flecha.
Horríssono clangor irrompe do arco argênteo.
Fere os mulos; depois, rápida prata, os cães;
então mira nos homens, setas pontiagudas
lançando: e ardem sem pausa densas piras fúnebres.
Nove dias sibilam flechas pelo exército;
no décimo o Aquileu convoca o povo à ágora,
inspiração de Hera, a deusa, braços brancos,
aflita ao contemplar os Dânaos que morriam.
Depois que estavam juntos, reunidos, todos,
ergueu-se e lhes falou Aquiles, pés-velozes:
"Atreide, agora - penso - o descaminho oblíquo
nos frustra e força o passo atrás, se à morte salvos:
que, simultâneas, guerra e peste aos Aqueus domam.
Vamos, sem mais, ouvir arúspice ou vidente
- oniromante - que o sonhar provém de Zeus.

Nenhum comentário:

Postar um comentário