terça-feira, 21 de janeiro de 2014

A morte da avó


Uma das belas páginas do "Em busca do tempo perdido" de Marcel Proust é a descrição da morte da avó do protagonista. No terceiro volume da obra, "O caminho de Guermantes", Proust expõe este momento nos belíssimos parágrafos traduzidos magistralmente por Mario Quintana. A rapidez da vida e as desilusões que vão embora para sempre, num dos momentos mais brilhantes da literatura universal:

"Ao pé do leito, convulsionada por todos os sopros daquela agonia, sem chorar, mas por instantes inundada de lágrimas, minha mãe tinha a desolação sem pensamento de uma folhagem que a chuva fustiga e o vento contorciona. Fizeram-me enxugar os olhos antes de ir beijar minha avó.

- Mas eu pensava que ela não visse mais - disse meu pai.

- Nunca se pode saber - respondeu o doutor.

Quando meus lábios a tocaram, as mãos de minha avó agitaram-se, ela foi percorrida por um longo frêmito, ou reflexo, ou porque certas afeições possuam a sua hiperestesia que reconhece, através do véu da inconsciência, aquilo que elas quase não têm necessidade dos sentidos para querer. Súbito, minha avó ergueu-se a meio, fez um esforço violento, como alguém que defende a própria vida. Françoise não pôde resistir, ao vê-lo, e rompeu em soluços. Lembrando-me do que o médico havia dito, quis fazê-la sair do quarto. Nesse momento minha avô abriu os olhos. Precipitei- me sobre Françoise para lhe ocultar o pranto, enquanto meus pais falassem à enferma. O ruído do oxigênio calara-se, o médico afastou-se do leito. Minha avó estava morta. 

Algumas horas depois Françoise pôde, pela última vez, e sem maltratá-los, pentear aqueles formosos cabelos que apenas começavam a branquear e que até então haviam parecido de menos idade que ela. Mas agora, pelo contrário, só eles é que impunham a coroa da velhice sobre o rosto outra vez moço de onde haviam desaparecido as rugas, as contrações, os empastamentos, as tensões, as relaxações que, desde tantos anos, lhe vinham acrescentando o sofrimento. Como nos longes tempos em que seus pais lhe haviam escolhido um esposo, tinha ela as feições delicadamente traçadas pela pureza e a submissão, as faces brilhantes de uma casta esperança, de um sonho de felicidade, mesmo de uma inocente alegria, que os anos tinham pouco a pouco destruído. A vida, retirando-se, acabava de carregar as desilusões da vida. Um sorriso parecia pousado nos lábios de minha avó. Sobre aquele leito fúnebre, a morte, como o escultor da Idade Média, tinha-a deitado sob a aparência de menina e moça."

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