Uma das belas páginas do "Em busca do tempo perdido" de Marcel Proust é a descrição da morte da avó do protagonista. No terceiro volume da obra, "O caminho de Guermantes", Proust expõe este momento nos belíssimos parágrafos traduzidos magistralmente por Mario Quintana. A rapidez da vida e as desilusões que vão embora para sempre, num dos momentos mais brilhantes da literatura universal:
"Ao
pé do leito, convulsionada por todos os sopros daquela agonia, sem
chorar, mas por instantes inundada de lágrimas, minha mãe tinha a
desolação sem pensamento de uma folhagem que a chuva fustiga e o vento
contorciona. Fizeram-me enxugar os olhos antes de ir beijar minha avó.
- Mas eu pensava que ela não visse mais - disse meu pai.
- Nunca se pode saber - respondeu o doutor.
Quando
meus lábios a tocaram, as mãos de minha avó agitaram-se, ela foi
percorrida por um longo frêmito, ou reflexo, ou porque certas afeições
possuam a sua hiperestesia que reconhece, através do véu da
inconsciência, aquilo que elas quase não têm necessidade dos sentidos
para querer. Súbito, minha avó ergueu-se a meio, fez um esforço
violento, como alguém que defende a própria vida. Françoise não pôde
resistir, ao vê-lo, e rompeu em soluços. Lembrando-me do que o médico
havia dito, quis fazê-la sair do quarto. Nesse momento minha avô abriu
os olhos. Precipitei- me sobre Françoise para lhe
ocultar o pranto, enquanto meus pais falassem à enferma. O ruído do
oxigênio calara-se, o médico afastou-se do leito . Minha avó estava morta.
Algumas
horas depois Françoise pôde, pela última vez, e sem maltratá-los,
pentear aqueles formosos cabelos que apenas começavam a branquear e que
até então haviam parecido de menos idade que ela. Mas agora, pelo
contrário, só eles é que impunham a coroa da velhice sobre o rosto outra
vez moço de onde haviam desaparecido as rugas, as contrações, os
empastamentos, as tensões, as relaxações que, desde tantos anos, lhe
vinham acrescentando o sofrimento. Como nos longes tempos em que seus
pais lhe haviam escolhido um esposo, tinha ela as feições delicadamente
traçadas pela pureza e a submissão, as faces brilhantes de uma casta
esperança, de um sonho de felicidade, mesmo de uma inocente alegria, que
os anos tinham pouco a pouco destruído. A vida, retirando-se, acabava
de carregar as desilusões da vida. Um sorriso parecia pousado nos lábios
de minha avó. Sobre aquele leito fúnebre, a morte, como o escultor da
Idade Média, tinha-a deitado sob a aparência de menina e moça."
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