segunda-feira, 20 de janeiro de 2014

A realidade revelada

Swann (No caminho de Swann), enquanto sofria pela não correspondência do amor de Odette, ficou particularmente impressionado com uma determinada frase de uma obra do músico Vinteuil. A frase carregava tanto sentimento, tanta verdade, que não poderia ser uma simples criação de um músico inspirado. Segundo Proust, na poética tradução de Mario Quintana, Swann achava que Venteuil havia, com o seu gênio, enxergado a essência de uma realidade que estava escondida para a maioria dos mortais.

Ao fundo de que dores fora ele buscar aquela força de Deus, aquele poder ilimitado de criar?

“... e Swann considerava os motivos musicais como verdadeiras ideias, de um outro mundo, de uma outra ordem, ideias veladas de trevas, desconhecidas, impenetráveis à inteligência.

E uma prova de que Swann não se enganava ao acreditar na existência real daquela frase, era que qualquer amador um pouco atilado logo se aperceberia da impostura se Vinteuil, com menos poder para divisar e transmitir as suas formas, houvesse procurado dissimular as lacunas de sua vista ou a inabilidade de seus dedos, acrescentando-lhe aqui e ali alguns toques de sua própria invenção.

Posteriormente o jovem Marcel (À sombra das raparigas em flor) também vai se admirar com a obra de Vinteuil. Ele confessará:

"Mas, menos decepcionantes que a vida, essas grandes obras-primas não começam por nos dar o que têm de melhor. Na Sonata de Vinteuil, as belezas que mais cedo se descobrem são também as que mais depressa nos cansam e sem dúvida pela mesma razão de diferirem menos daquilo que já se conhecia antes. Mas quando estas se afastaram, ainda nos fica, para amar, uma ou outra frase que, pela ordem demasiado nova para oferecer a nosso espírito nada mais que confusão, se nos tornara indiscernível e se guardara intacta para nós; e ei-la então que vem até nós, a última de todas, essa frase pela qual passávamos todos os dias sem o saber e que pelo poder único de sua beleza se tornara invisível e permanecera desconhecida. Mas nós a deixaremos também por último. E haveremos de amá-la por mais tempo que as outras, porque teremos levado mais tempo para amá-la."

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