segunda-feira, 20 de janeiro de 2014

Compreendendo o grande escritor

Falando sobre o grande escritor Bergotte, que deve ser uma síntese dos grandes escritores franceses que Proust tanto admirava, o personagem Marcel tece os seguintes comentários na "À sombra das raparigas em flor", segunda parte do Em busca do tempo perdido:


"E por isso tanto mais me custou compreender que o que estava dizendo naquele momento não parecia ser de Bergotte exatamente porque era verdadeiro Bergotte. Era uma profusão de ideias precisas, não compreendidas nesse 'gênero Bergotte' de que muitos cronistas se haviam apropriado; e essa diferença - vagamente vislumbrada através da conversação como uma imagem por trás de um vidro enfumaçado - era provavelmente outro aspecto do fato de que, ao ler-se uma página de Bergotte, nunca era semelhante ao que teria escrito qualquer desses vulgares imitadores que, no entanto, no livro e nos jornais, adornavam sua prosa com tantas imagens e pensamentos 'à Bergptte'. Devia-se tal diferença de estilo a que 'o Bergotte' era antes de tudo certo elemento precioso e real, oculto no coração das coisas e de onde aquele grande escritor o extraía, graças ao seu gênio, extração esta que era a finalidade do suave Cantor e não a de fazer Bergotte. A falar verdade, ele o fazia sem o querer, pois era Bergotee, e, nesse sentido, cada nova beleza de sua obra era a pequena parcela de Bergotte oculta numa coisa e que ele dali retirara. Mas embora cada uma dessas belezas estivesse assim aparentada com as outras e fosse reconhecível, permanecia no entanto particular, como a descoberta que a trouxera à luz; nova e portanto diferente do que se chamava  o gênero Bergotte, que era uma vaga síntese dos Bergottes, já encontrados e redigidos por ele, mas pelos quais não era dado a nenhum homem sem gênio adivinhar o que Bergotte iria descobrir. É o que se dá com todos os grandes escritores: a beleza de suas frase é imprevisível, como a de uma mulher que ainda não conhecemos; é criação, porque se aplica a um objeto exterior em que eles pensam - e não a si - e que ainda não expressaram."

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