Falando sobre o grande escritor
Bergotte, que deve ser uma síntese dos grandes escritores franceses que
Proust tanto admirava, o personagem Marcel tece os seguintes comentários
na "À sombra das raparigas em flor", segunda parte do Em busca do tempo perdido:
"E
por isso tanto mais me custou compreender que o que estava dizendo
naquele momento não parecia ser de Bergotte exatamente porque era
verdadeiro Bergotte. Era uma profusão de ideias precisas, não
compreendidas nesse 'gênero Bergotte' de que muitos cronistas se haviam
apropriado; e essa diferença - vagamente vislumbrada através da
conversação como uma imagem por trás de um vidro enfumaçado - era
provavelmente outro aspecto do fato de que, ao ler-se uma página de
Bergotte, nunca era semelhante ao que teria escrito qualquer desses
vulgares imitadores que, no entanto, no livro e nos jornais, adornavam
sua prosa com tantas imagens e pensamentos 'à Bergptte'. Devia-se tal
diferença de estilo a que 'o Bergotte' era antes de tudo certo elemento
precioso e real, oculto no coração das coisas e de onde aquele grande
escritor o extraía, graças ao seu gênio, extração esta que era a
finalidade do suave Cantor e não a de fazer Bergotte. A falar verdade,
ele o fazia sem o querer, pois era Bergotee, e, nesse sentido, cada nova
beleza de sua obra era a pequena parcela de Bergotte oculta numa coisa e
que ele dali retirara. Mas embora cada uma dessas belezas estivesse
assim aparentada com as outras e fosse reconhecível, permanecia no
entanto particular, como a descoberta que a trouxera à luz; nova e
portanto diferente do que se chamava o gênero Bergotte, que era uma
vaga síntese dos Bergottes, já encontrados e redigidos por ele, mas
pelos quais não era dado a nenhum homem sem gênio adivinhar o que
Bergotte iria descobrir. É o que se dá com todos os grandes escritores: a
beleza de suas frase é imprevisível, como a de uma mulher que ainda não
conhecemos; é criação, porque se aplica a um objeto exterior em que
eles pensam - e não a si - e que ainda não expressaram."
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