Na recordação dos singelos fatos do
passado e na reconstrução de vários momentos que formavam as várias
facetas da vida do personagem do "Em busca do tempo perdido" de Proust,
há um espaço especial devotado às várias manifestações da arte.
Aparecerão em destaque, diversos personagens que captam a essência
transcendental da arte: o escritor Bergotte, a atriz Berma, o músico
Vinteuil e o pintor Elstir. Este último, que o narrador conhecera em
Balbec e se tornara seu amigo, possui várias obras na casa do duque e da
duquesa de Guermantes. O narrador, em uma oportunidade, conhece estas
obras da coleção particular dos Guermantes e se encanta, não percebendo a
passagem do tempo. Eis parte da descrição magistral de Marcel Proust a
este momento único:
"Comoveu-me
encontrar em dois quadros (mais realistas e de uma maneira anterior) o
mesmo cavalheiro, uma vez de fraque, no seu salão, outra vez de casaca e
cartola numa festa popular à beira d'água, onde não tinha evidentemente
o que fazer, e que demonstrava que para Elstir ele não era apenas um
modelo habitual, mas um amigo, talvez um protetor, que ele gostava, como
outrora Carpácio com determinados senhores notáveis - e perfeitamente
semelhantes - de Veneza, de fazer figurar em suas pinturas, da mesma
forma que Beethoven tinha prazer em inscrever no alto de uma obra
preferida o nome dileto do arquiduque Rodolfo. Aquela festa a beira-rio
tinha qualquer coisa de encantador. O rio, os vestidos das mulheres, as
velas dos barcos, os reflexos inumeráveis de uns e outras achavam-se em
vizinhança naquele quadrado de pintura que Elstir havia recortado de uma
tarde maravilhosa. O que encantava no vestido de uma mulher que deixara
um momento de dançar por causa do calor e da sufocação era igualmente
cambiante, e, da mesma maneira, no pano de uma vela parada, na água do
pequeno porto, no pontão de madeira, nas folhagens e no céu. (...) Pois
bem, este soubera imortalmente deter o movimento das horas naquele
instante luminoso em que a dama sentira calor e deixara de dançar, em
que a árvore estava cercada de um contorno de sombra, em que as velas
pareciam deslizar sobre um verniz de ouro. Mas justamente porque o
instante pesava sobre nós com tamanha força, aquela tela tão fixa dava a
impressão mais fugitiva, sentia-se que a dama ia em breve voltar-se, os
barcos desaparecerem, a sombra mudar de lugar, a noite descer, que o
prazer acaba, que a vida passa e que os instantes, mostrados ao mesmo
tempo por tantas luzes que se lhes avizinham, não tornamos a
encontrá-los."
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