Há certos momentos na vida que, de
repente, percebe-se assustadoramente que o tempo passou. Uma bebê que
virou uma adolescente, um amigo que da noite para o dia teve os cabelos
pintados de branco, uma senhora que era moça e numa breve visita
percebemos que está com o rosto cheio de rugas. Proust também conseguiu
captar estes raros momentos das nossas vidas no terceiro volume de "Em
busca do tempo perdido". Ele vai falar da avó do narrador, no instante
singular, em que ele chega após uma viagem de alguns dias, e percebe que
ela se tornou velha.
"O
que, mecanicamente, se efetuou naquele instante em meus olhos quando
avistei minha avó, foi mesmo uma fotografia! Jamais vemos os entes
queridos a não ser no sistema animado, no movimento perpétuo de nossa
incessante ternura, a qual, antes de deixar que cheguem até nós as
imagens que nos apresentam a sua face, arrebata-as no seu vórtice,
lança-as sobre a idéia que fazemos deles desde sempre, fá-las aderir a
ela, coincidir com ela. (...) E como um enfermo que a si mesmo não via
desde muito tempo, e que, compondo, a cada instante, o rosto, que ele
não vê, segundo a imagem ideal que forma de si mesmo em pensamento,
recua ao avistar no espelho, em meio de um rosto árido e deserto, a
proeminência oblíqua e rósea de um nariz gigantesco como uma pirâmide do
Egito, eu, para quem minha avó era ainda eu próprio, eu que jamais a
vira a não ser em minh'alma, sempre no mesmo ponto do passado, através
da transparência de recordações contíguas e superpostas, de súbito, em
nosso salão que fazia parte de um mundo novo, o do tempo, o mundo em que
vivem os estranhos de quem se diz "como envelheceu!", eis que pela
primeira vez e tão só por um instante, pois ela desapareceu logo,
avistei no canapé, congestionada, pesada e vulgar, doente, chamando, a
passear acima de um livro uns olhos, um olhar um pouco extraviado, a uma
velha consumida que eu não conhecia."
Nenhum comentário:
Postar um comentário