sexta-feira, 31 de janeiro de 2014

Num piscar de olhos

Há certos momentos na vida que, de repente, percebe-se assustadoramente que o tempo passou. Uma bebê que virou uma adolescente, um amigo que da noite para o dia teve os cabelos pintados de branco, uma senhora que era moça e numa breve visita percebemos que está com o rosto cheio de rugas. Proust também conseguiu captar estes raros momentos das nossas vidas no terceiro volume de "Em busca do tempo perdido". Ele vai falar da avó do narrador, no instante singular, em que ele chega após uma viagem de alguns dias, e percebe que ela se tornou velha.

"O que, mecanicamente, se efetuou naquele instante em meus olhos quando avistei minha avó, foi mesmo uma fotografia! Jamais vemos os entes queridos a não ser no sistema animado, no movimento perpétuo de nossa incessante ternura, a qual, antes de deixar que cheguem até nós as imagens que nos apresentam a sua face, arrebata-as no seu vórtice, lança-as sobre a idéia que fazemos deles desde sempre, fá-las aderir a ela, coincidir com ela. (...) E como um enfermo que a si mesmo não via desde muito tempo, e que, compondo, a cada instante, o rosto, que ele não vê, segundo a imagem ideal que  forma de si mesmo em pensamento, recua ao avistar no espelho, em meio de um rosto árido e deserto, a proeminência oblíqua e rósea de um nariz gigantesco como uma pirâmide do Egito, eu, para quem minha avó era ainda eu próprio, eu que jamais a vira a não ser em minh'alma, sempre no mesmo ponto do passado, através da transparência de recordações contíguas e superpostas, de súbito, em nosso salão que fazia parte de um mundo novo, o do tempo, o mundo em que vivem os estranhos de quem se diz "como envelheceu!", eis que pela primeira vez e tão só por um instante, pois ela desapareceu logo, avistei no canapé, congestionada, pesada e vulgar, doente, chamando, a passear acima de um livro uns olhos, um olhar um pouco extraviado, a uma velha consumida que eu não conhecia."

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