Na “À sombra das raparigas em flor”, segundo volume de Em busca do tempo perdido,
de Proust, vemos desabrochar o amor do jovem narrador pela bela menina
de cabelos ruivos, Gilberte. Entretanto, como assevera Proust, “na confusão da existência, é raro que uma felicidade venha pousar justamente sobre o desejo que a reclamara.”
Apesar do pequeno Marcel conseguir passar tardes memoráveis na
companhia de Gilberte, este relacionamento, de repente, numa tarde, chega
ao fim: o jovem perderá a amada para sempre.
“Pode
ser amargo o sofrimento causado por uma pessoa a quem se ama, mesmo
quando está inserido no meio de preocupações, de ocupações, de alegrias
que não têm essa criatura por objeto e das quais a nossa atenção só se
desvia de tempos em tempos para voltar a ele. Mas quando tal sofrimento
nasce – como no presente caso – num instante em que a felicidade de ver
essa pessoa nos enche inteiramente, a brusca depressão que se produz em
nossa alma até então ensolarada, firme e calma, determina em nós uma
tempestade furiosa contra a qual ignoramos se seremos capazes de lutar
até o fim. Tão violenta era a que soprava em meu coração que voltei para
casa arrasado, mortificado, sentindo que só poderia encontrar a
respiração se desandasse o caminho percorrido, se voltasse sob um
pretexto qualquer para junto de Gilberte. Mas esta haveria de dizer
consigo: “Ainda?! Decididamente, posso fazer-lhe tudo, que ele sempre
voltará tanto mais dócil quanto mais infeliz houver partido”. Depois eu
era irresistivelmente arrastado para ela pelos meus pensamentos, e essas
orientações alternativas, esse desvario da bússola interior ainda
persistiram depois que me recolhi ao quarto, traduzindo-se pelos
rascunhos de cartas contraditórias que escrevi a Gilberte.”
Depois de um longo tempo de separação, algumas poucas cartas circulam de um lado para o outro entre Marcel e Gilberte.
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