domingo, 19 de janeiro de 2014

Son(h)o

A longa caminhada do personagem de Proust pela memória no "Em busca do tempo perdido" começa por um adormecer. Parece que após um longo tempo as recordações vão ser tornando sonhos difíceis de serem descritos. No dizer de Gerard de Nerval, contemporâneo de Proust, em sua obra "Aurélia", "o sonho é uma segunda vida (...) Os primeiros instantes do sono são a imagem da morte; um entorpecimento nebuloso toma nosso pensamento..."

Mas retornemos a Marcel Proust:

"Um homem que dorme mantém em círculo em torno de si o fio das horas, a ordem dos anos e dos mundos. Ao acordar consulta-os institivamente e neles verifica em um segundo o ponto da terra em que se acha, o tempo que decorreu até despertar; esta ordenação, porém, pode-se confundir e romper".

O personagem Marcel, recordando a sua infância:

"... assim, quando acordava no meio da noite, e como ignorasse onde me achava, no primeiro instante nem mesmo sabia quem era; tinha apenas, em sua singeleza primitiva, o sentimento da existência".

E o garoto Marcel, ao acordar, tendo deixado para trás diversos sentimentos de angústia por dormir só e estar distante da mãe, comenta:

"Sem dúvida que eu estava agora bem desperto, meu corpo dera uma última volta e o bom anjo da certeza imobilizara tudo ao redor de mim, deitara-me sob minhas cobertas, em meu quarto, e pusera aproximadamente em seu lugar, no escuro, minha cômoda, minha mesa de trabalho, minha lareira, a janela da rua e as duas portas".

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