Por
conta da complexidade da obra de Marcel Proust, muitos intérpretes já
escreveram sobre diversos aspectos dos seus escritos. Um dos estudiosos
brasileiros da obra proustiana foi José Maria Cançado (1952 - 2006), que
publicou pela Editora da UFMG (2008) o pequeno belo livro de ensaios
“PROUST – As intermitências do coração e outros ensaios”. Cançado nos
diz: “Proust é o escritor cujo método de composição é o mais estrito,
o mais rigoroso. Suas frases sempre recomeçadas, que percorremos
valendo-nos dos pontilhões das conjunções sintáticas e dos respiradouros
das imagens (talvez as mais belas de toda a prosa francesa) essas
frases e períodos cujo fim natural não são os limites da pagina (parecendo
antes virarem essa página com o seu sopro e movimento) são o próprio
mecanismo do pensamento. Correspondem a esse mecanismo.(...) A frase de
Proust não aponta, não designa localizado num ponto determinado do tempo
e do espaço. Não é uma forma de notação da realidade. Mas de
reconstituição da realidade. Ela não quer sugerir. Ela quer reencontrar.”
Num
desses reencontros, o narrador Marcel se lembra de seis garotas que
passeavam no dique, num final de uma tarde de verão, na pequena Balbec.
Preocupadas apenas com a diversão e o prazer, as moças brincam
alegremente, ignorando por completo os outros, invisíveis, transeuntes.
Essa atitude, aliada à beleza misteriosa das garotas, marcará
profundamente aquela tarde da adolescência do narrador enamorado. Proust
nos conta, na À sombra das raparigas em flor, na belíssima tradução de Mario Quintana:
“Eu
olhara bem aqueles rostos; vira cada um deles, não em todas as facetas e
rara vez de frente, mas ainda assim de dois ou três ângulos bastante
diferentes para que eu pudesse fazer a retificação, ou pelo menos a
verificação e ‘prova’ das diferentes suposições de linhas e de cores
sugeridas à primeira vista e para ver subsistir neles, através das
expressões sucessivas, alguma coisa de inalteravelmente material. Também
podia dizer com toda a certeza que nem em Paris, nem em Balbec, na
hipótese mais favorável do que poderia ser, mesmo que pudesse ter ficado
a conversar com elas, as passantes que detiveram meus olhos, jamais
houvera nenhuma cujo aparecimento e sucessivo desaparecimento sem que eu
chegasse a conhecê-la, me causasse mais pesar do que o destas, nem me
desse a idéia de que a sua afeição pudera ser embriaguez tamanha. Nem
entre as atrizes, ou as camponesas, ou as moças do pensionato religioso,
eu vira nada de tão belo, impregnado de tal desconhecido, tão
inestimavelmente precioso, tão verossimilmente inacessível.”
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